Em uma entrevista
à Rádio Gaúcha no
dia 15 de junho de 2022, o secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco
Aurelio Cardoso, foi chamado a responder ao argumento de que a redução da carga
tributária aumenta o consumo, aquece a economia e, por consequência, reforça a
arrecadação. O tema geral da entrevista era a lei patrocinada pelo governo
federal para impor teto ao ICMS, e Cardoso iniciou a resposta de forma
curiosa: "Acho,
então, que a gente deveria baixar todos os impostos para 1%".
É claro que o secretário fazia uma ironia antes de apresentar seu
contra-argumento de forma ponderada. Mas é fato que hoje no Brasil o que falta
nesse debate é ponderação.
Na verdade, estamos
assistindo a mais um puxadinho tributário. Pressionado pela alta dos
combustíveis e da inflação às vésperas da eleição, o governo federal busca
alternativas para frear os preços, e o vaivém sobre o tema impera no país desde
o final do ano passado.
Em outubro, a Câmara
dos Deputados aprovou projeto que determina valor fixo para cobrança de ICMS
sobre o litro dos combustíveis. Em reação à época, os governadores decidiram
congelar o preço de referência para provar que o aumento nas bombas não seria
culpa dos estados. Em março, o projeto foi sancionado e virou a Lei
Complementar 192/22, e os governadores fecharam acordo fixando valor sobre o
diesel.
A cifra era mais
alta do que a cobrada pela maioria dos estados, e o convênio permitia aos
estados aplicar descontos. Para o governo federal, isso driblava a regra. O
caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), e em junho uma liminar barrou
o acordo exigindo cobrança uniforme no país, o que acaba de ser definido pelo
Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
No meio da queda de
braço, outra frente foi aberta: em maio a Câmara aprovou o projeto que fixa
teto entre 17% e 18% para o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica,
telecomunicações e transporte coletivo. A proposta desagradou aos governadores,
que apontaram perda abrupta de receita e risco de ampliação do desequilíbrio
fiscal. No início de junho, o Palácio do Planalto ofereceu acordo aos estados;
queria apoio ao teto do ICMS, em troca de zerar tributos federais sobre
gasolina e etanol, e a desoneração completa do ICMS do diesel e do gás de
cozinha em troca de restituição das perdas por parte da União, prevista na PEC
16/22. Aqui, havia uma pegadinha de Brasília: a oferta de acordo acenava com a
cobertura do imposto estadual entre o teto e a alíquota zero. Mas nada falava a
respeito de reposição às perdas dos estados que reduziriam sua alíquota atual
até o teto.
Ainda sem acerto
entre Brasília e estados, o teto seguiu tramitando no Congresso. A proposta foi
avalizada em junho pelo Senado, sendo incluídas outras compensações aos
estados. Ao sancionar a Lei Complementar 194, a Presidência vetou a
indenização. Agora, a ideia no governo é usar o ressarcimento previsto na PEC
16/22 para aumentar o Auxílio Brasil, reajustar o auxílio-gás e criar benefício
mensal aos caminhoneiros. A conta final traz mais um alerta; deve extrapolar o
teto de gastos públicos.
É possível que até a
publicação deste artigo outra reviravolta tenha ocorrido, tornando ainda mais
difícil ao brasileiro entender essa novela atabalhoada e ao poder público
chegar a um consenso. Falta ponderação, capacidade de diálogo, paciência e
vontade de chegar a uma solução de longo prazo. Está certo o secretário da
Fazenda do RS ao dizer que não há como baixar todos os impostos a 1%, mas há
como o país avançar. A saída é a reforma tributária, que não anda no Congresso.
Os Estados, impelidos a debater o tema da alíquota do combustível de forma
conjunta, podem aproveitar a nova oportunidade para ajudar o Brasil a encontrar
uma fórmula tributária que simplifique o sistema, torne-o mais justo, capaz de
dar conta das necessidades de arrecadação e indutor da economia.
Por Francisco
Gaiga é advogado tributarista.