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Oportunidades da transação tributária federal: será que agora vai?


Publicada em 27/08/2022 às 09:00h 


A partir da divulgação dos atos que regulamentam a transação tributária relativa a débitos inscritos em dívida ativa e para a resolução do contencioso judicial e administrativo, respectivamente, a Portaria PGFN/ME nº 6757/2022 e a Portaria RFB nº 208/2022, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e a Receita Federal passaram a apostar suas fichas na atração do interesse dos contribuintes em transacionar seus débitos.


Todos sabem que a Lei nº 13.988/2020 foi o marco instituidor dessa modalidade de liquidação de dúvidas. Relembre-se que, até então, vigiam os programas de parcelamentos especiais, concedidos de tempos em tempos, tais como os chamados de "Refis", "Refis da crise", "Refis da Copa", "Paes" e "Pert", onde as concessões de redução de multa e juros e prazos de pagamento eram oferecidas indistintamente a todos os contribuintes, independentemente da saúde financeira de cada um.


Diferentemente, na transação celebrada com a Fazenda há um ranqueamento da dívida tributária entre aquela de alta, média, difícil ou de impossível recuperabilidade, isso, à luz da situação econômica individual do devedor. Regra geral, quanto mais difícil a situação de recuperabilidade dos débitos tributários maiores serão os descontos especiais para o pagamento e a liquidação do débito.


Em 22 de junho deste ano foi publicada a Lei nº 14.375/2022 trazendo modificações na legislação até então vigente com o objetivo de estimular o interesse dos contribuintes em transacionar suas dívidas com a União, inserindo no espectro desse acordo os débitos do contencioso administrativo fiscal,  além da regra geral da concessão de redução de até 65% do valor total dos valores a serem transacionados, parcelamento em até 120 meses e , principalmente, a possibilidade de uso  de prejuízo fiscal de IRPJ e de base negativa da CSLL para pagamento de até 70% do saldo remanescente após as reduções, créditos esses do próprio devedor, do responsável ou oriundos de empresas vinculadas societariamente, entre outros.


Nosso objetivo é aqui tecer alguns comentários sobre essa última medida citada, relativa à possibilidade de uso dos saldos de prejuízo fiscal e da base negativa da CSLL, algo que despertou um grande interesse nas empresas diante da possibilidade de escoamento desses créditos fiscais, os quais, muitas vezes, nem mesmo podem ser registrados contabilmente em face da falta de perspectiva de utilização mediante a contraposição a lucros tributáveis futuros.


A Portaria da PGFN nº 6.757/2022 tem um capítulo inteiro dedicado a esse tema. Prevê que esses créditos serão elegíveis para compor o plano de regularização à critério da Procuradoria e que seu uso somente será cabível em relação a créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação e, ainda, se inexistentes ou esgotados outros créditos em desfavor da União. Além disso, é vedado o uso desse benefício nas transações por adesão e na transação simplificada (débitos superiores a R$ 1 milhão e inferiores a R$ 10 milhões).


A indicação de todas essas condições causou surpresa, pois não encontramos tais restrições expressas na Lei nº 14.375/2022 que introduziu esse mecanismo nas transações justamente para despertar o interesse do contribuinte. A portaria aludida provoca, nesta medida, o efeito contrário ao pretendido pela citada norma, frustrando as expectativas de muitos contribuintes que viam a possibilidade de discutir com a procuradora um acordo para liquidação de seus débitos, tendo esses créditos como elementos de composição dos acordos.


De seu turno, a recém editada Portaria RFB nº 208/2022 admite a liquidação de até 70% do saldo remanescente com a utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL na transação de créditos tributários em contencioso administrativo fiscal.


Embora o ato citado estabeleça que o uso desses créditos será concedido a exclusivo critério da RFB, não apresenta as demais condicionantes impostas pela PGFN em detrimento da abertura legal conferida para o uso desses créditos, o que pode representar um caminho mais largo para as negociações de débitos em processos administrativos.


Não obstante esses esclarecimentos trazidos nas citadas portarias, remanescem dúvidas acerca de como será efetuada a análise da capacidade econômica do sujeita passivo pretendente à transação. Sabe-se que, a depender dos parâmetros citados nos atos antes citados, os débitos serão classificados e graduados como do tipo "A" (débito com alta perspectiva de recuperabilidade) até o tipo "D" (débitos irrecuperáveis). Quanto maior a dificuldade de recuperação dos débitos, maiores serão os descontos.


Dependendo do rating apurado, a PGFN e a RFB poderão reduzir ou mesmo não aceitar o pedido de negociação desses créditos. Ademais, mesmo diante de um pedido individual que preencha as condições legais e regulamentares, não se pode garantir que esses entes vão aceitar o acordo pois os referidos órgãos públicos têm o poder discricionário de transacioná-los ou não.


A questão é saber se essas autoridades fiscais estariam dispostas a sentar à mesa de negociações com contribuintes detentores de créditos com alta e média perspectiva de recuperação. Cogitamos, nesse caso, da situação hipotética de uma empresa, com boa saúde financeira, em litígio com a administração tributária por entender indevida determinada imposição fiscal de alto valor, em relação à qual há diferentes visões interpretativas da norma aplicável, em débito superior a R$ 10 milhões. Esse contribuinte poderia estar disposto a renunciar a essa discussão diante da possibilidade de transacionar, mediante o uso de seus créditos de prejuízo fiscal e base negativa. Não estamos aqui a tratar da chamada transação sobre tese (contencioso tributário de relevante e disseminada controvérsia jurídica) em relação a qual a transação somente ocorre por adesão e em condições específicas. 


Com efeito, considerando que não há vedação expressa na legislação nem nas citadas Portarias, empresas com perfil A e B de recuperabilidade poderiam propor a transação, abrindo mão de suas alegações de direito, mediante concessão de prazo de pagamento e com o uso de seus saldos de prejuízo fiscal e de base negativa, ainda que não contassem com os descontos que são conferidos para situações de créditos irrecuperáveis e de difícil recuperação.


Os entes públicos, de sua parte, concordando com a proposição deste tipo de contribuinte, estariam garantindo o cumprimento de dois princípios e objetivos da transação expressos nas portarias publicadas, quais sejam, o da redução da litigiosidade e do atendimento do interesse público.


A redução da litigiosidade seria de claro atendimento, pois o contribuinte desistiria da discussão com o fisco resolvendo pagar o débito sob discussão; além disso, o interesse público também seria observado na medida em que ingressos de recursos financeiros seriam antecipados aos cofres públicos, numa situação em que, não houvesse a transação, tal valor não chegaria ao Tesouro caso o fisco fosse vencido na discussão ou, ainda que ganhasse, decorreria um longo lapso de tempo até que se alcançasse a fase de monetização com o pagamento do débito.


Portanto, parece possível a construção de tal quadro para viabilizar a canalização para a transação de um volume maior de débitos ou inscritos em contencioso administrativo fiscal, desafogando, ainda, o Judiciário e a máquina pública na administração de parte dos processos em curso.


De qualquer sorte, é recomendável que as empresas avaliem esse tipo de negociação, procedendo o mapeamento dos seus débitos, inclusive aqueles objeto de impugnação e de recurso no âmbito de um processo administrativo tributário, avaliando as suas exposições fiscais vis-à-vis a jurisprudência administrativa e judicial a respeito do tema, bem como efetuando a compilação dos saldos de prejuízos fiscais e bases negativas da CSLL das empresas do grupo e análise da perspectiva de utilização.


A transação é um caminho salutar num país como o Brasil, de altíssima litigiosidade tributária, cenário totalmente adverso aos interesses e ao desenvolvimento do país. Por isso, contribuintes e fisco devem tentar se compor.



Autor:
Evany Oliveira é sócia da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial.






Fonte: Revista Consultor Jurídico






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