Muito é questionado no meio empresarial se
os sócios devem responder com seus bens pessoais pelas dívidas da empresa. Mas
afinal, o que acontece com uma sociedade caso fique sem recursos para pagar
seus credores ou seus empregados? De quem será a responsabilidade? Será
retirada do patrimônio de seus sócios?
1. Tipos societários
A resposta para os questionamentos apresentados varia de acordo com o tipo
societário da empresa a qual o sócio esteja exercendo sua função.
1. 1) Empresário individual/MEI
O empresário individual, enquanto estiver
inscrito no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, não é considerado pessoa
jurídica, pois equivale a um comerciante exercendo atos de comércio individualmente.
Acerca da personalidade do empresário
individual, ao contrário do que se verifica em relação às sociedades
empresariais, não há distinção entre o empresário individual e a pessoa
jurídica que exerce a atividade empresarial, o sujeito é um só, a empresa é
exercida por ele, o nome empresarial o identifica e os bens são de sua titularidade.
Tanto a titularidade negocial como a responsabilidade patrimonial é da própria
pessoa física que explora a atividade empresária. Empresário individual é a própria
pessoa física ou natural, respondendo os seus bens particulares pelas
obrigações que assumiu, quer civil, quer comercial.
Tendo em vista a
inexistência de distinção patrimonial entre o empresário individual e a pessoa
física respectiva, a constrição de bens do patrimônio pessoal não necessita da
aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
No caso de empresa constituída no formato Microempreendedor Individual (MEI), o
titular responde diretamente com seu patrimônio pessoal pelas dívidas e
obrigações da empresa.
Portanto, nada impede que se proceda a penhora do patrimônio da empresa
individual para garantir o pagamento de dívidas contraídas pela empresa.
1.2) Sociedade limitada
No caso de uma sociedade limitada, a
responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos
respondem solidariamente pela integralização do capital social nos termos do
artigo 1.052 do Código Civil Brasileiro.
Isso significa que, em geral, se integralizado totalmente o capital social da
empresa, o sócio não terá responsabilidade perante terceiros.
Ou seja, se o capital for integralizado, os sócios não respondem com seu
patrimônio, salvo casos específicos, pelas obrigações da sociedade.
Se não for integralizado por um, alguns ou todos os sócios, estes responderão
com seu patrimônio pelas obrigações da sociedade.
Porém, quando devidamente integralizado, os sócios não podem ser
responsabilizados pelos prejuízos do negócio que ultrapassem suas quotas de
participação. Portanto, a responsabilidade dos sócios é proporcional ao capital
investido, mesmo que todos respondam solidariamente pelo capital total.
Sendo assim, o patrimônio social da empresa não se confunde com o patrimônio
individual dos titulares, que fica resguardado em caso de falência, débitos ou
disputas judiciais da empresa.
2. Exceções à regra das Ldta
Embora a sociedade limitada, como próprio nome já diz, seja de responsabilidade
limitada, é possível a desconsideração da personalidade jurídica, nos casos
previstos em lei.
2.1 Desconsideração da personalidade jurídica
2.1.1. Teoria maior
A desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil, em seu
artigo 50, é conhecida pelos doutrinadores e pela jurisprudência como a
chamada "Teoria Maior".
Essa teoria alega a tese de que para que ocorra o afastamento da personalidade
jurídica e afetação direta do patrimônio dos sócios, ou o inverso dependendo do
caso, é necessário que esteja devidamente comprovado a ocorrência de atos
fraudulentos que foram cometidos comprovadamente com o intuito de prejudicar
credores.
Conforme o artigo 50 do Código Civil, em caso de abuso da personalidade
jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão
patrimonial, pode o juiz deliberar, a requerimento da parte intervir no
processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam
estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.
No mencionado artigo 50 do Código Civil, vemos duas possibilidades da desconsideração:
desvio de finalidade e confusão patrimonial.
Desvio de finalidade:
Desvio de finalidade ocorre nos casos em que a empresa é utilizada para
finalidade distinta daquela para a qual foi fundada, por meio de atos de fraude
realizados pelos sócios em prejuízo de terceiros.
Confusão patrimonial:
Em linhas gerais, a confusão patrimonial acontece quando há uma mistura entre
os caixas da empresa com o caixa particular dos sócios, ou seja, é a
movimentação inadequada e sem explicação entre as contas bancárias do sócio e a
conta da pessoa jurídica.
A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, portanto, o
critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica.
2. 1. 2. Teoria menor
Código de Defesa do Consumidor
A desconsideração da personalidade jurídica trazida pelo Código de Defesa do
Consumidor, em seu artigo 28, nos apresenta o que os doutrinadores chamam de
Teoria Menor da desconsideração, que aborda um procedimento inúmeras vezes mais
agressivo à empresa inadimplente do que a Teoria Maior do Código Civil.
Isso ocorre pelo fato de que a Teoria Menor, visando a proteção dos
consumidores hipossuficientes, adotou um procedimento de que o mero
inadimplemento, obstrução ou dificuldade no adimplemento e abuso de direito em
face do consumidor, cometido pelo fornecedor, já é motivação suficiente para
que a personalidade jurídica seja devidamente afastada e os sócios respondam
solidariamente pelo débito em questão.
Relações trabalhistas
Após a reforma trabalhista, o processo do
trabalho passou a contar com regulamento específico sobre o incidente de
desconsideração da personalidade jurídica, atualmente previsto no
artigo 855-A da CLT.
Sobre o emprego da desconsideração da personalidade jurídica, ela consiste na aplicação
do instituto pelo mero inadimplemento de crédito de natureza alimentar por
pessoa jurídica. Isto é, há uma clara posição jurisprudencial de mitigação da
limitação da responsabilidade empresarial e do princípio da autonomia
patrimonial.
Enfim, é possível verificar que a reforma trabalhista trouxe importantes
avanços, principalmente ao prever o regulamento sobre tal instituto, de modo a
garantir a aplicação de princípios constitucionais, como a ampla defesa e o
contraditório.
2. 2. 3. Prática de ato ilícito
Fraude
A fraude é observada nos casos em que a pessoa jurídica é utilizada para a
prática de algum negócio jurídico que será feito de forma ilícita, burlando a
lei ou prejudicando terceiros.
Essas obrigações são de caráter individual, ou seja, aquele que cometeu ato
ilícito responderá como pessoa física, devendo o infrator que causou danos
repará-los com seu patrimônio pessoal. Inclusive, o sócio pode ser obrigado a
reparar os danos possivelmente causados à própria sociedade.
3. A impenhorabilidade do bem de família
A impenhorabilidade do bem de família é um direito previsto pela na Lei 8.009,
de 29 de março de 1990.
A lei determina que, em caso algum membro do corpo familiar adquira dívidas, o
imóvel residencial próprio não possa ser penhorado para pagamento destas. Tais
dívidas podem ser de qualquer natureza, incluindo as da empresa.
Assim, mesmo que a família passe por alguma
dificuldade, a lei garante que sua residência ou os bens necessários para uma
vida digna não serão afetados, muito menos retirados para pagamento de dívidas.
Além disso, a impenhorabilidade do bem de família não protege somente a
residência, mas também equipamentos necessários à família, pensando exatamente
na proteção dos seus membros.
4. Regras da impenhorabilidade dos bens de família
A impenhorabilidade da residência se dá em razão da proteção necessária para
que a família não fique sem sua moradia. No entanto, tal segurança para o
devedor não pode servir para se esquivar de adimplir com seus débitos e lesar o
credor.
Para isso, a lei regula apenas a garantia do imóvel residencial, desde que o
devedor ali resida. Contudo, ao possuir diversos outros bens imóveis, somente o
de menor valor deve ser considerado como bem de família. E se há interesse que
seja o de maior valor, o dono deve promover a instituição voluntária no
cartório de registro de imóveis.
5. Decisão inédita do STJ sobre penhora do bem de família do fiador
O Superior Tribunal de Justiça entendeu pela legitimidade da penhora de bens de
família do fiador dado em garantia em contrato de locação de imóveis,
independentemente de a locação ser residencial ou comercial. Isso significa
que, a partir disso, juízes e tribunais de todo o país poderão aplicar esse
mesmo entendimento em processos judiciais que envolvam a questão. Para o STJ,
um fiador, no pleno exercício do seu direito de propriedade, pode afiançar, por
escrito, um contrato de locação, abrindo mão, de livre e espontânea vontade, da
impenhorabilidade que protege o seu bem de família.
Conclusão
Diante do exposto, é muito importante a escolha do tipo societário no início
das atividades da empresa.
Caso seja uma sociedade limitada, como vimos, em regra os bens pessoais dos
sócios não respondem pelas obrigações da empresa. Porém, existem exceções a
essa regra, a desconsideração da personalidade jurídica.
Por isso, é fundamental contar com uma boa assessoria de um advogado
especialista para garantir segurança jurídica e proteção aos patrimônios
pessoais dos sócios.
Referências
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 247, de 11 de fevereiro de
2020. Altera o rol de exceções à penhora previsto na Lei 8.009 de 29 de março
de 1990. Brasília: Câmara dos Deputados, 2020.
Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=B2455B36DE1B9C6B3101F9E08DDE1D4C.proposicoesWebExterno1?codteor=1860367&filename=Avulso+-PL+247/2020.
Acesso em: 07 nov. 2022.
Código Civil Brasileiro, 2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm.
Acesso em 07 nov 2022
Código de Processo Civil, 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm.
Acesso em: 04 nov. 2022
Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
Acesso em 04 nov 2022
GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopses Jurídicas v 02 - Direito Civil - Direito de
Família. São Paulo: Editora Saraiva, 2020. 9788553619665. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553619665/.
Acesso em: 07 nov. 2022.
STJ, Tribunal confirma validade de penhora do bem de família dado por fiador em
garantia de locação comercial ou residencial. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/21062022-Tribunal-confirma-validade-de-penhora-do-bem-de-familia-dado-por-fiador-em-garantia-de-locacao-comercial-ou.aspx.
Acesso em 10 nov 2022.
Autores:
Marilza Tânia Ponte Muniz Feitosa é
advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, pós-graduanda em Direito
Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas, presidente da Comissão de Direito
Empresarial da OAB Subsecção Sobral e profissional
de Compliance Anticorrupção CPC pela LEC e FGV.
João Vitor Sampaio Silva é estagiário no escritório Marilza Muniz
Advocacia Empresarial e graduando em Direito pelo Centro Universitário Inta
(Uninta).
Fonte: Revista Consultor Jurídico