Vence
esse torneio de desinformações o anúncio de que uma reforma tributária
promoverá um crescimento de 10% no PIB brasileiro, em 15 anos. Há, também, quem
acredite em duendes
É indiscutível que o sistema tributário brasileiro tem muitos problemas,
agravados, aliás, por incompreensíveis decisões judiciais e pela mora legislativa
em relação a leis complementares, previstas na Constituição de 1988 e jamais
editadas.
Esse quadro propicia a construção de falácias, saltos lógicos e desinformações
de todos os gêneros.
Aponta-se, como evidência da complexidade
do sistema tributário, a existência de alíquotas distintas de IPI para produtos
de perfumaria. Se isso fosse um problema era algo que seria resolvido com um
modesto decreto.
Outra evidência, inclusive utilizada em peça veiculada na internet, é o caso
dos sapatos crocs. Afirma-se que mudanças na classificação desses sapatos
resultou em autuações fiscais. Erro palmar. A questão não era tributária.
Tratava-se da aplicação pela Câmara de Comércio Exterior (Camex) de direitos
antidumping em importações de calçado da China. Além disso, a classificação já
tinha gerado controvérsias no âmbito internacional, tendo demandado deliberação
específica na Organização Mundial de Aduanas, em Bruxelas.
A pesquisa Doing Business do Banco Mundial é recorrentemente citada para
justificar projetos de reforma tributária, sob a inverossímil alegação de que o
pagamento de impostos no Brasil exigia mais de 2 mil horas anuais. Afora ser
matéria relacionada com o burocratismo e não com a natureza dos tributos, cerca
de 97% dos contribuintes são optantes do Simples e do lucro presumido que
cumprem suas obrigações com muita facilidade, graças à simplicidade dos regimes
e aos eficientes aplicativos disponíveis. De resto, a pesquisa foi
"descontinuada" pelo Banco, em 2021, em virtude de fraudes e inconsistências
detectadas por auditoria independente.
Fala-se, também, em aumentar a arrecadação mediante revogação de benefícios
fiscais. Essa pretensão, contudo, encerra várias armadilhas: não é claro o
conceito de renúncia fiscal, que muitas vezes inclui situações que decorrem de
preceito constitucional de observância obrigatória, como a tributação das micro
e pequenas empresas; a extinção de um benefício fiscal pode implicar o
encerramento do negócio beneficiado, sem proveito para a arrecadação; o Código
Tributário Nacional veda o cancelamento de benefício dado por prazo certo e sob
condições.
Vence esse torneio de desinformações o anúncio de que uma reforma tributária,
cujo escopo a rigor se desconhece, promoverá um crescimento de 10% no PIB
brasileiro, em 15 anos. Há, também, quem acredite em duendes.
Autor:
Everardo
Maciel
Ex-secretário
da Receita Federal, é consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense
de Direito Público