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Quem pode ser leiloeiro no Brasil?


Publicada em 29/09/2023 às 09:00h 


Com o avanço da tecnologia e profissionalização de atividades que se revestiam de caráter secundário, até final do século passado surgiram no Brasil empresas que, a despeito da ausência de lei que lhes conceda o direito ao exercício da leiloaria, especializaram-se na prática de atos preparatórios e ulteriores àqueles privativos da função de leiloeiro, assim categorizado pelo Decreto Lei nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, recepcionado pela Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, vigente no ordenamento jurídico brasileiro, com plena eficácia reconhecida inclusive pelo Supremo Tribunal Federal.


Nesse sentido, parece primordial bem estremar quem pode ser leiloeiro no Brasil e quais os atos são privativos do leiloeiro, conforme lei, e expressa proibição de repassá-los a terceiros, a não ser para seu preposto, assim também admitido na forma legal, e credenciado na Junta Comercial do Estado da federação em que mantiver a inscrição.


Alçados no ordenamento jurídico brasileiro, como particulares em colaboração com o Poder Público, os leiloeiros são, na concepção da doutrina pátria majoritária, agentes públicos incumbidos do exercício de função estatal delegada em razão dos deveres fiduciários, lealdade, diligência e cuidado.


Por disposição do Decreto-Lei nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, recepcionado como lei ordinária pela Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, a profissão de leiloeiro é "exercida mediante matrícula concedida pelas Juntas Comerciais, Órgãos de Registro Público Mercantil e Atividades Afins, do Distrito Federal, dos Estados e Território do Acre, de acordo com as disposições deste regulamento", como consta do artigo 1º.


Ainda de acordo com a lei, artigo 2º, para ser leiloeiro, é necessário provar: "a) ser cidadão brasileiro e estar no gozo dos direitos civis e políticos;

b) ser maior de vinte e cinco anos; c) ser domiciliado no lugar em que pretenda exercer a profissão, há mais de cinco anos; d) ter idoneidade, comprovada com apresentação de caderneta de identidade e de certidões negativas dos distribuidores, no Distrito Federal, da Justiça Federal e das Varas Criminais da Justiça local, ou de folhas corridas, passadas pelos cartórios dessas mesmas Justiças, e, nos Estados e no Território do Acre, pelos Cartórios da Justiça Federal e Local do distrito em que o candidato tiver o seu domicílio".


Para postular matrícula de leiloeiro e exercer suas funções, o interessado deve apresentar certidão negativa de ações ou execuções movidas contra ele no foro civil federal e local, correspondente ao seu domicílio, no período dos últimos cinco anos. A entrega das certidões exigidas comprova a idoneidade objetiva, independente da análise subjetiva da situação retratada no documento, até porque o Órgão de Registro Público Mercantil e Atividades Afins, conhecido como Junta Comercial, executa funções de registro atendo-se às formalidades dos respectivos títulos, abstendo-se de perscrutar o mérito dos atos ou negócios jurídicos, resguardada a análise da qualificação registrária da legitimação do título apresentado, para cumprimento da segurança jurídica e publicização, como supedâneo dos princípios da legalidade, especialidade, continuidade e anterioridade dos registros.    


Antes de entrar em exercício, ou seja, antes de praticar os atos que lhes são conferidos pela lei, o leiloeiro tem o dever de apresentar caução, na forma da lei, com quantum fixado pela Junta Comercial, em dinheiro ou seguro-garantia, sem o que está impedido de atuar.


Uma vez matriculado, com a atribuição do número de registro que o fará conhecido, e nomeado, "o leiloeiro exercerá pessoalmente suas funções, não podendo delegá-las, senão por moléstia ou impedimento ocasional a seu preposto", como estabelece o artigo 11, da Lei mencionada.


Com quase um século de existência, as disposições do Decreto Lei nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, que adquiriram força de lei ordinária, são claras e suscitam nenhuma dúvida a respeito de quem e quais os requisitos a serem observados para ser nomeado leiloeiro perante os Órgãos de Registro Público Mercantil e Atividades Afins.


Esses órgãos são responsáveis pela autenticação dos livros escriturados e arquivamento de documentos de interesse dos leiloeiros, comprovando o bom desempenho de suas funções, e servindo ainda como fundamento de segurança jurídica a que se refere a Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, e que se conjuga com o Decreto Lei recepcionado pela atual Constituição e todas as demais que se lhe seguiram.


Ainda, por disposição expressa do Decreto-lei nº 21.981, de 19 de novembro de 1932, repita-se, o exercício das funções de leiloeiro é pessoal, não delegável a terceiros, exceto, como já consignado inicialmente, ao seu preposto, em caso de moléstia ou impedimento ocasional.


Significa dizer que o leiloeiro deve ser contratado diretamente pelo comitente, a pessoa que deseja vender seus bens, ou pelo seu representante constituído na forma da lei civil.


Para o exercício do múnus público, em que se constitui a profissão de leiloeiro, e seu consequente controle finalístico, a norma de regência estabelece a forma de escrituração mediante livros obrigatórios (Diário de entrada, Diário de saída, Contas corrente, Protocolo, Diário de leilões, Livro talão - artigo 31), assim como o dever de arquivar as "contas de venda", e "conferir com os livros e assentamentos do leiloeiro, sob pena de incorrerem nas sanções deste regulamento", como consta do artigo 27, § 2º.


Com a evolução e mudanças de comportamento dos mercados e do mundo digital, a atividade de leiloeiro passou por adaptações e vem conformando-se à atividade empresarial mais dinâmica e lucrativa dos tempos modernos, podendo inclusive o leiloeiro se constituir Empresário Individual, pessoa jurídica com objeto de leiloaria, por permissivo de Instrução Normativa do Departamento de Registro Empresarial e Integração.


Neste caso, pode o próprio leiloeiro, sem se valer dos préstimos de empresa organizadora de leilões, praticar os atos pré, pós e aqueles propriamente personalíssimos da profissão.


Reconheceu-se que a atividade de leiloeiro não se restringe ao ato do pregão, propriamente dito e, não raro, a relação entre o comitente ou seu representante, aquele que contrata o leiloeiro, dependem também de uma série de atividades paralelas e acessórias como armazenamento de bens, transporte e logística, contratação de seguros, divulgação e outras medidas de organização que enfim envolvem o ato de leilão.


Atento a essas mudanças, o Departamento de Registro Empresarial e Integração (Drei), órgão que compõe o Sistema Nacional de Registro Empresarial e edita Instruções Normativas, para explicitar as leis de registro público mercantil, estabeleceu na In Drei 72/2019, artigo 55, que:


"As atividades meio e ou acessórias de leiloeiro, tais como apoio, guarda, logística, divulgação e organização da leiloaria poderão ser exercidas por empresas organizadoras de leilão, inclusive por meio de plataforma digital ou eletrônica, o que não afasta a responsabilidade pessoal e direta do leiloeiro no exercício de suas funções em pregões e hastas públicas."


A normativa assenta determinação de que empresas organizadoras de leilões podem atuar livremente no mercado de "organização de leilão", para transporte, logística, contratação de seguros, etc. e, até mesmo contratar leiloeiros para cada ato de leilão a ser consumado, seja como comitente ou representante dele.


Sem embargo, as organizadoras de leilões, reitere-se, autorizadas a agir por si ou por mandato de terceiros, sempre na posição de comitentes, pode contratar leiloeiros como aliás já vinha decidindo o plenário da Junta Comercial do Estado de São Paulo, desde antes da normativa do Órgão de Orientação Técnica - Drei (Departamento de Registro Empresarial e Integração, que se substituiu ao DNRC - Departamento Nacional de Registro de Comércio), mas não podem se apresentar como empresas leiloeiras ou ostentar qualidade que traga dúvida em relação aos usuários dos serviços de leilão, pena de usurpar da função pública, que não lhes é delegada e é reserva privativamente à pessoa física do leiloeiro.


Apesar dos auspícios de um vultoso e altruísta Associativismo negocial com o leiloeiro, agente em colaboração com o Poder Público, o que não se admite, volto a ponderar, até por força de lei, é que as empresas "Organizadoras de Leilões" não podem se apresentar como empresas realizadoras de leilões, ou mesmo leiloeiras.


Exige-se, assim, atenção por aqueles que se utilizam desse tipo de atividade empresarial, ou mesmo de quem exerce esse tipo de negócio, porque não há qualquer previsão no ordenamento jurídico que permita a esses tipos jurídicos que se substituam ao leiloeiro oficial, agente delegado do exercício personalíssimo da função, contratando diretamente os comitentes para a venda de bens. Podem, quando muito, e na forma da lei civil, representar os comitentes ou mesmo ser um deles, porque podem vender bens próprios, mediante ajuste com o leiloeiro oficial, com nome constante em lista publicada pelo Órgão de Registro Público e Atividades Afins em seu site, que inclusive expõe os dados funcionais do leiloeiro, possibilitando saber quem efetivamente pode e não está impedido de exercer as funções. 


Mas o que importa realçar e esclarecer amiúde é que a lei não prevê a nomeação e atuação de pessoa jurídica como leiloeira oficial, recaindo tal nomeação apenas em pessoa física natural que atenda requisitos legais mencionados inicialmente para a função personalíssima.


Superada a questão relativa ao exercício da função de leiloeiro, outro ponto que também deve ser reafirmado e esclarecido com vigor, inclusive para instituições públicas, que se utilizam do serviço de leiloeiro, é que somente este, o leiloeiro, nomeado segundo disposições do Decreto Lei nº 21.981, de 19 de outubro de 1932, pode pessoalmente e privativamente acordar com o comitente a comissão que será percebida pela execução do ato propriamente dito.


Em momento algum, salvo exceções contidas dispositivos da própria lei, admite-se que o leiloeiro deixe de se submeter a dispositivo expresso no artigo 24, da Lei nº 21981/32 (com redação dada pelo Decreto nº 22.427, de 1933), para o qual


"A taxa da comissão dos leiloeiros será regulada por convenção escrita que, sobre todos ou alguns dos efeitos a vender, eles estabelecerem com os comitentes. Em falta de estipulação prévia, regulará a taxa de 5%, sobre moveis, mercadorias, joias e outros efeitos e a de 3 %, sobre bens imóveis de qualquer natureza."


É, antes de tudo, um stantard de natureza ontológica, que, em seu cunho regulatório, torna mais autero o âmbito da lei ao arbitrar percentuais e delimitar a atuação dos sujeitos envolvidos na atividade.


Ou seja, sem embaraço de poder o leiloeiro firmar acordo por escrito, sobre a comissão a ser recebida, podendo até estabelecer uma quantia fixa, não pode repassar, ou trespassar, a seu talante e vontade, ou mesmo subdelegar essa função à empresa organizadora de leilões, recebendo em conta empresarial a quantia pactuada, porque contratada especificamente para sua organização, mediante adoção de providências periféricas.


Vale ainda remarcar e repisar que, mesmo ostentando a qualidade de procuradora do comitente, não podem essas empresas Organizadoras de Leilão negociar a comissão do leiloeiro, por si, para depois repassá-la ao profissional. Pior e mais grave ainda, são as empresas que contratam leiloeiros, para conduzir leilões mediante pagamento de quantia fixa mensal, o que pode, em tese, até configurar infração legal.


A delegação legal consumada na pessoa do leiloeiro que cumpre requisitos legais para nomeação não tem previsão de subdelegação, nem mesmo de trespasse de funções a terceiros, o que pode configurar ilegalidade eloquente.


E não pode assim agir as empresas organizadoras de leilão, simplesmente, porque não receberam delegação estatal para fazerem-se substituir pelo leiloeiro, que tem função privativa e indelegável, estando impedidas de receber subdelegação para tal.  Uníssono na doutrina e jurisprudência administrativista a necessidade de lei específica para se franquear a subdelegação de qualquer atividade estatal delegada, o caso não comporta essa vertente.


É bom lembrar ainda que, sob fundamentos e princípios constitucionais, assegura-se "a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei".


No afã de manter-se no mercado, ou mesmo ampliá-los, algumas empresas Organizadoras de Leilão suscitam ofensa à livre iniciativa, sob o argumento de que os leiloeiros estariam dominando esse mercado e impedindo a livre concorrência, inclusive obstando a entrada empresas transnacionais, que se dedicam a atividade de leiloaria em países alienígenas. Mas o caso, antes de se resolver pela pretensa preservação da concorrência, tem sustentação em lei regulamentadora da profissão de leiloeiro, de competência exclusiva da União, o que requer respeito das empresas que atuam no mercado, sejam elas nacionais ou transnacionais.  Feita a opção legislativa, que perdura por quase século, passando inclusive pela edição de outros diplomas legislativos, e nenhuma alteração sentiu-se necessária. A função é indelegável, privativa e personalíssima.   


Além disso, lembrando que o exercício de qualquer atividade econômica pode ser desenvolvido independentemente de qualquer autorização de órgãos públicos, não se ignora que nos casos previstos em lei, a livre iniciativa deve submeter-se às obrigações às quais lhes são impostas pelos mesmos diplomas legais, sem que isso, em momento algum, seja considerado um atentado às liberdades públicas.


Note-se, também, que o aparente silogismo do aventado argumento de caráter parassocial decorrente dessa atuação transnacional pretende desconsiderar a predominante natureza da atividade regulatória e finalística da profissão de leiloeiro, exercício de soberania, a ser respeitado interna e externamente.


Como bem se vê da Constituição, artigo 219, "o mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal". Todo aquele que pretenda atuar no mercado interno, por mais riquezas que venha a gerar, não está a salvo de submissão absoluta à Soberania Nacional e seus regramentos.  


A viabilização do desenvolvimento cultural e sócio-econômico, e o bem-estar da população só é de fato preservado se empresas nacionais ou transnacionais atuantes no País, tanto quanto qualquer instituição brasileira, predisponham-se a se submeter à lei, nos seus exatos e bem colocados termos, independentemente do lapso de tempo existente entre a sua edição e a execução de seus mandamentos, o que deve ser considerado não no sentido de afastar a lei, mas de ajustar suas disposições à ordem jurídica e social em vigência.


Nesse aspecto, a In-Drei já mencionada, utilizando-se dos claros da lei em vigor, sobretudo, com o escopo de publicizar certos aspectos dessa prática mercantil, já regulamentou a atividade de organização de leilões, sem infringir dispositivos expressos do diploma legal que, a despeito de editado em 13 de outubro de 1932, ainda expressa princípios que, por mais envoltos ao progresso e inovação, permanecem como primados da ordem e da paz social almejada pelos brasileiros e estrangeiros residentes no país.


No exercício do Registro Público Mercantil e Atividades Afins, a Junta Comercial do Estado de São Paulo já enviou ofícios tanto a Órgãos do Executivo, quanto a outros Poderes constituídos e Órgãos de Controle como Ministério Público Federal e Estadual para providências em relação a distorções que, a despeito da lei, infelizmente ainda ocorrem.


Espera-se assim que, com tais esclarecimentos, sejam conhecidos os leiloeiros, respeitadas as suas prerrogativas e preservada a lei, que a todos submete, para garantia das liberdades públicas fundamentais.



Autores: Celso Jesus Mogioni é procurador do Estado, chefe da Consultoria Jurídica da Junta Comercial do Estado de São Paulo, mestre em Direitos Difusos e Coletivos e doutorando em Direito Empresarial.

Antonio Jorge Angelino Halfeld Rezende Santos é advogado e assessor da presidência da Junta Comercial do Estado de São Paulo.






Fonte: Revista Consultor Jurídico







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