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Validade jurídica dos contratos eletrônicos de consumo: sem regulamentação


Publicada em 18/10/2023 às 09:00h 


Contrato eletrônico é o negócio jurídico pelo qual a manifestação de vontade das partes, de duas ou mais pessoas, cria vínculos recíprocos, mediante o uso da comunicação em rede, por meio da internet.


Ao longo dos anos, com o advento da informática, o avanço da tecnologia e a popularização do uso dos computadores e dos aparelhos móveis - telefone celular - smartphones - tablets, houve a expansão da internet e o aumento ao acesso à rede, fazendo surgir e expandir a modalidade de contratação por meio eletrônico, formada por meio de comunicação à distância, não presencial e denominada de contrato eletrônico.


Não obstante, as transações comerciais aperfeiçoadas por meio eletrônico, pela internet, denominadas de relações jurídicas contratuais virtuais, com características e peculiaridades próprias, acabaram por se expandir de forma significativa, modificando os usos e costumes da sociedade moderna como um todo, especialmente, mas não exclusivamente, durante a pandemia do coronavírus (Covid-19), que trouxe consigo "novas" relações jurídicas no âmbito do consumo, no mercado de e-commerce - comércio eletrônico, em nível nacional e internacional.


Contudo, insta ressaltar, por oportuno, que uma parte expressiva da sociedade moderna, desconhece as especificidades que regulam e cercam a contratação em meio eletrônico. Isso porque a jurisprudência é escassa e ainda não existe regulamentação específica para esse tipo de contrato no ordenamento jurídico brasileiro, pertinente somente a esse instituto. O que pode gerar dúvidas e incertezas para as partes envolvidas, principalmente em casos de conflito ou disputa judicial.


Neste diapasão, isso acaba por levantar e criar uma celeuma em torno da validade jurídica dos contratos eletrônicos de consumo, isto é, apesar do ordenamento jurídico brasileiro reconhecer a sua validade jurídica, se, de fato, eles têm o mesmo valor legal que os contratos tradicionais, se a aplicação literal da legislação brasileira ao comércio eletrônico - da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), garante a segurança jurídica para as transações comerciais realizadas por meios
digitais.


Nesse contexto, importante destacar que os contratos eletrônicos não apresentam novos paradigmas antagônicos ao direito contratual consagrado, muito pelo contrário, os contratos realizados por meio eletrônico não se distinguem de quaisquer outras modalidades de contrato, mas tão somente se apresentam como um "novo" gênero de contrato, ou seja, como um novo meio de formação e instrumentalização do contrato, sendo certo que, terá natureza e o aspecto jurídico do contrato que trouxer em seu bojo.


Isto posto, eletrônico é apenas o meio pelo qual as partes escolhem para formalizar o contrato, uma vez que, em regra, o ordenamento jurídico brasileiro não exige forma específica.


Dito isso, vislumbra-se que a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, salvo quando a lei expressamente exigir e dispor de maneira diversa - artigo 107 do Código Civil. Razão pela qual, o contrato pode ser realizado por qualquer forma que não seja proibida, defesa pela legislação brasileira e que não exija uma solenidade especifica a ser cumprida.


Por fim, vale salientar que será considerado eletrônico, o contrato pelo qual o consentimento de ambas as partes for realizado eletronicamente, em que a exteriorização de vontade ocorra no meio digital, não bastando, assim, que este se inicie no meio eletrônico, e seja concretizado por outro meio que não o eletrônico.


Contrato eletrônico


Contrato eletrônico é um negócio jurídico, pelo qual as partes criam vínculos recíprocos, utilizando a comunicação em rede, com troca de dados de "computador" a "computador", para formação, manifestação e instrumentalização do vínculo contratual, criando obrigações jurídicas e direitos entre si.


Em outras palavras, em um sentido mais abrangente, contrato eletrônico pode ser conceituado como um negócio jurídico lícito, bilateral ou plurilateral, que emana de duas ou mais vontades, criando, modificando, transferindo ou extinguindo direitos, por meio de transmissão de dados e informações entre computadores - equipamentos eletrônicos, por meio de programas de computador ou aparelhos móveis que utilizem os referidos programas.


Os contratos eletrônicos são classificados em intersistêmicos, interpessoais e interativos, tal classificação foi amplamente recepcionada pela jurisprudência e foi proposta por Mariza Delapieve Rossi e por Manuel J. Pereira dos Santos.


Os contratos eletrônicos intersistêmicos ou contratos em rede fechada, precedem de uma contratação usual, de um acordo de vontades, com estipulações prévias, no início da operação, que podem ser realizadas por escrito, no qual as partes convencionam e disciplinam direitos, obrigações e atribuições de cada uma, utilizando o computador e/ou aparelhos móveis apenas e tão somente para executar, convergir e integralizar as suas vontades.


Nesta modalidade de contrato, há um sistema aplicativo que é utilizado como forma expressão da vontade das partes, que utilizam para confirmar e efetuar o que já foi previamente convencionado e estipulado.


No tocante aos contratos eletrônicos interpessoais, há a transferência de informações - transmissão eletrônica de dados - entre computadores e/ou aparelhos móveis, para a formação do próprio vínculo jurídico, a denominada comunicação em rede por meio da intervenção e interação humana, ou seja, as partes da futura relação jurídica, interagem no mundo virtual, com a intenção de contratar por meio de e-mail - correio eletrônico, pela troca de mensagens instantâneas - WhatsApp, por videoconferência ou por leilão virtual, manifestando a sua vontade, mediante proposta e aceitação.


Os contratos eletrônicos interpessoais podem ocorrer de forma simultânea, em tempo real ou em um curto espaço de tempo, em que a transferência de informações é recebida no mesmo momento da declaração de vontade, ou não simultânea, não instantânea, em que a transferência de informações é recebida em momento posterior ao da declaração de vontade, há um lapso temporal.


Com relação aos contratos eletrônicos interativos, há a interação de uma das partes, neste caso é aceita a oferta feita por meio de um sistema aplicativo de e-commerce, que pode ser denominado de site, loja ou estabelecimento virtual e foi previamente programado para receber o acesso de consumidores, que estejam dispostos a aceitarem os termos e condições ali previstos e a conhecerem as ofertas de produtos e serviços ali expostos.


Há também os contratos inteligentes, ou smart contracts em inglês, que não constam na classificação proposta por Mariza Delapieve Rossi e por Manuel J. Pereira dos Santos, mas que representam um tipo de contrato eletrônico.


Os contratos inteligentes são uma aplicação da tecnologia blockchain que permitem que os contratos sejam criados, executados e aplicados de forma totalmente autônoma, transparente e segura, além de garantirem a sua imutabilidade.


Os contratos inteligentes são criados utilizando código de programação que define as condições do acordo, as ações a serem tomadas quando essas condições forem cumpridas, as obrigações e os prazos. Uma vez que as condições são cumpridas, o contrato é automaticamente executado e as ações previstas são aplicadas, sem a necessidade de intermediários ou da intervenção de terceiros, isto é, sem a necessidade de qualquer intervenção humana.


Isso ocorre porque a execução do contrato é baseada em regras predefinidas, que são transparentes e imutáveis.


Os contratos inteligentes são armazenados na blockchain e protegidos por criptografia e não podem ser alterados ou excluídos, garantindo que todas as transações sejam registradas de forma permanente.


"Ausência" de regulamentação específica


Aplicação do CDC aos contratos eletrônicos


A regulamentação específica dos contratos eletrônicos em território nacional ainda é um desafio a ser enfrentado. As relações contratuais eletrônicas não foram abordadas diretamente, de maneira pormenorizada, pelo Código Civil e nem pelo Código de Defesa do Consumidor, nem, tampouco, foram regulamentadas especificamente no ordenamento jurídico brasileiro.


De modo geral, pode-se dizer que apenas e tão somente a questão foi tratada de forma rasa por meio do Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, para dispor sobre alguns aspectos da contratação no comércio eletrônico.


Contudo, nesse particular, a evolução da tecnologia e a necessidade de adaptação das normas jurídicas às transformações sociais indicam que essa discussão tende a ganhar cada vez mais relevância no cenário nacional e internacional.


Assim, ante da "ausência" da regulamentação específica, no meio eletrônico aplica-se as normas gerais estabelecidas e previstas para os contratos realizados pelos meios tradicionais, firmados por meio não digital.


Em virtude disso, nessa esteira, é importante enfatizar que, para efeitos jurídicos, se a relação contratual eletrônica for de consumo, aplica-se prioritariamente o Código de Defesa do Consumidor, e de forma subsidiária, no que couber e houver necessidade, o Código Civil.


Ainda, é imprescindível mencionar que, na hipótese de dúvidas ou conflitos, as partes contratantes têm o direito de recorrer aos órgãos de defesa do consumidor ou buscar a tutela jurisdicional. O Poder Judiciário tem reconhecido a validade dos contratos eletrônicos e tem se mostrado disposto a solucionar as questões levantadas de forma justa e equilibrada.


Validade jurídica dos contratos eletrônicos


Os contratos eletrônicos de consumo têm validade jurídica no Brasil, desde que observadas as formalidades previstas na legislação pertinente, pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo Código Civil e os demais requisitos legais estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro.


Em relação a esse aspecto, não há vedação legal que desautorize a aceitação dos contratos eletrônicos como uma forma válida de celebrar negócios jurídicos.


Contudo, as relações contratuais devem proporcionar segurança e estabilidade as partes contratantes, de modo que sua validade jurídica tem como função primordial garantir maior segurança às relações jurídicas.


Desta feita, para um contrato ser considerado válido, é necessário que tenha determinados elementos, de acordo com o que prevê o artigo 104 do Código Civil, tais como: 1) capacidade dos agentes; 2) a licitude do objeto; 3) possibilidade; 4) determinabilidade do objeto - determinado ou determinável; 5) obediência a forma prescrita ou não defesa em lei.


Outros elementos que são considerados essenciais para a formação e o aperfeiçoamento do contrato, que não estão dispostos diretamente no ordenamento jurídico brasileiro, são o consentimento válido e prova dos atos negociais.


Todos os elementos supracitados são considerados essenciais para a validade jurídica de um contrato realizado por meio eletrônico, haja vista que, a questão da validade está intimamente ligada à questão da segurança das partes que dele participam e estabilidade dos contratos no mundo jurídico.


Deste modo, os elementos essenciais dos contratos eletrônicos serão classificados como subjetivos, objetivos e formais.


Os elementos subjetivos estão relacionados com o consentimento válido e não viciado na manifestação de vontade e a capacidade civil das partes.


Os elementos objetivos de validade estão relacionados com o objeto das relações jurídicas de caráter patrimonial.


Nessa perspectiva, constituem objeto dos contratos eletrônicos todos os bens lícitos, possíveis, determinados ou determináveis.


Os elementos formais de validade estão relacionados com a forma a ser observada, a validade, a segurança e a prova dos documentos eletrônicos.


Deste modo, com o objetivo de garantir a mesma segurança as partes dos contratos realizados pelos meios tradicionais, por escrito, bem como menos exposição, a contratação eletrônica, em suporte de documento eletrônico, utiliza-se de alguns mecanismos tecnológicos, como as tecnologias biométricas, a criptografia, a assinatura digital ou firma eletrônica e a certificação digital.


As tecnologias biométricas utilizam características físicas ou comportamentais únicas de um indivíduo para identificá-lo ou autenticá-lo.


As tecnologias biométricas estão relacionadas à análise estatística de características biológicas, isto é, características fisiológicas de uma pessoa.


Algumas das características físicas mais comuns usadas em tecnologias biométricas incluem impressões digitais, reconhecimento facial, íris ou retina ocular, reconhecimento de voz e geometria da mão. As características comportamentais podem incluir padrões de digitação, assinatura ou caminhar. Contudo, em vista do alto custo, tais tecnologias ainda não são muito difundidas em meio eletrônico.


A criptografia permite que, sejam enviadas mensagens codificadas, incompreensíveis por um terceiro, em caso de interceptação não desejada, mas compreensíveis pelo destinatário da mensagem que conhece o critério utilizado para encriptação, garantindo, assim, que somente os indivíduos autorizados possam lê-las.


A criptografia utiliza recursos singelos, que transformam um texto legível em um conjunto de caracteres indecifráveis, por aquele que não é conhecedor do critério de descriptação.


Além disso, a criptografia é usada em vários algoritmos de segurança, como Hyper Text Transfer Protocol Secure (HTTPS), Secure Sockets Layer (SSL), Transport Layer Security (TLS) e Pretty Good Privacy (PGP). Esses algoritmos usam a criptografia para proteger as informações enviadas pela internet, garantindo que elas sejam mantidas privadas e seguras.


Existem duas técnicas básicas de criptografia: a criptografia simétrica e a criptografia assimétrica.


Na criptografia simétrica, uma única chave é usada tanto para codificar quanto para decodificar as informações. Isso significa que a chave deve ser compartilhada entre o remetente e o destinatário das informações. Uma desvantagem da criptografia simétrica é que a chave deve ser mantida segura, pois se cair nas mãos erradas, as informações criptografadas podem ser descriptografadas.


Na criptografia assimétrica, também conhecida como criptografia de chave pública, duas chaves diferentes são usadas para codificar e decodificar informações. Uma chave pública é usada para codificar as informações, enquanto uma chave privada é usada para decodificar as informações. A chave pública pode ser compartilhada com qualquer pessoa, enquanto a chave privada deve ser mantida em segredo pelo proprietário da chave. A criptografia assimétrica é geralmente mais segura do que a criptografia simétrica.


A assinatura digital assegura a autenticidade e a integridade do documento eletrônico, pois, permite a perfeita identificação de seu emitente, de forma inequívoca, além de garantir, a inalterabilidade de seu conteúdo pelo fato de estar estreitamente atrelada a ele.


A assinatura digital gerada por meio da criptografia assimétrica, não se assemelha com a imagem digitalizada de uma assinatura manuscrita, haja vista que a assinatura digital nada mais é, do que o resultado de uma operação matemática que, tem como variáveis o documento eletrônico e a chave privada de conhecimento e de uso exclusivo do seu proprietário.


A assinatura digital é baseada em técnicas de criptografia de chave pública, em que uma chave privada é usada para assinar um documento e a chave pública correspondente é usada para verificar a assinatura.


Assim, cada documento eletrônico de uma mesma pessoa terá uma assinatura digital diferente, isto é, para cada documento eletrônico gerado por uma mesma pessoa existirá uma única assinatura digital correspondente.


É importante destacar que a segurança da assinatura digital depende da segurança da chave privada. Se a chave privada for perdida, roubada ou comprometida de alguma forma, a integridade dos documentos assinados com essa chave pode acabar sendo comprometida. Por isso, é importante proteger a chave privada com medidas de segurança adequadas, como criptografia e autenticação de dois fatores.


A assinatura digital é amplamente utilizada em transações eletrônicas, como contratos, acordos e outros documentos legais.


Um certificado digital é um documento eletrônico usado para autenticar a identidade de uma pessoa ou empresa em transações eletrônicas, que contém informações de identificação, como nome, endereço, número de identificação fiscal, entre outras informações. O certificado digital é emitido por uma autoridade certificadora credenciada, que garante a autenticidade e a integridade das informações contidas no certificado.


A certificação digital tem por finalidade, evitar problemas com fraudes quando da utilização da assinatura digital, sendo um meio de efetivação da criptografia assimétrica.


O certificado digital é baseado em criptografia de chave pública e é composto por duas chaves criptográficas: uma chave pública, que é compartilhada com terceiros, e uma chave privada, que é mantida em segredo pelo proprietário do certificado. Quando uma pessoa assina eletronicamente um documento ou realiza uma transação online, sua chave privada é usada para codificar as informações e a chave pública é usada para decodificar as informações, garantindo que apenas o destinatário correto possa ler as informações.


A majoritária parte da jurisprudência reconhece a validade dos contratos eletrônicos, desde que estejam associados a uma assinatura digital, verificada por meio de uma certificação digital, que garanta a sua autenticidade e a sua integridade.


Autora:

Márcia Cristine Rey de Oliveira é coordenadora da área de Contratos do Gomes & Hoffmann, Bellucci, Piva Advogados e especialista em Direito Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em Contratos na Contemporaneidade pela Escola Superior de Advocacia (ESA).






Fonte: Revista Consultor Jurídico








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