De acordo com o artigo 482,
inciso "l", da CLT, a prática constante de jogos de azar pode
configurar motivo para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador.
O avanço da tecnologia e a popularização das apostas online trouxeram um
novo desafio para o ambiente corporativo. Com a facilidade de acesso a
plataformas de jogos de azar, muitos trabalhadores utilizam parte do expediente
para realizar apostas. No entanto, essa prática pode acarretar a demissão por
justa causa, conforme prevê a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
De acordo com o artigo 482, inciso "l", da CLT, a prática constante de
jogos de azar pode configurar motivo para rescisão do contrato de trabalho pelo
empregador. No entanto, a legislação estabelece que essa prática deve ser
habitual para caracterizar a justa causa, além de haver comprovação de que o
empregado tinha o objetivo de lucro.
O impacto das apostas online vai além do ambiente corporativo e tem
consequências financeiras para os trabalhadores. Um levantamento nacional
realizado pelo Instituto DataSenado aponta que 42% dos brasileiros que dizem
ter gastado alguma quantia em apostas esportivas ao longo de um mês e estavam
endividados. Segundo a pesquisa, divulgada no fim de 2024, esse percentual
representa apostadores com contas atrasadas há mais de 90 dias. No total, cerca
de 20,3 milhões de pessoas com mais de 16 anos afirmam ter apostado nas
chamadas "bets", que ainda estão passando por um processo de regulamentação no
Brasil. Esse número, conforme a pesquisa, equivale a 13% da população brasileira
nessa faixa etária.
A prática de apostas online tem gerado preocupação entre os
empregadores, pois afeta diretamente a produtividade dos funcionários. Além do
tempo dedicado ao jogo, há relatos de atrasos, descumprimento de tarefas e até
mesmo pedidos recorrentes de adiantamento salarial para cobrir perdas
financeiras.
Quando o trabalhador atua em instituições financeiras ou tem acesso a
recursos da empresa, os riscos são ainda maiores, podendo resultar em situações
de improbidade.
Demissões por jogos online
Para a advogada Caren Benevento, sócia do Benevento Advocacia e
pesquisadora do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da
Seguridade Social da USP, a demissão por justa causa exige uma abordagem
cuidadosa. "A justa causa é uma medida extrema e deve ser aplicada com base em
provas concretas e inquestionáveis. As cortes trabalhistas tendem a adotar uma
visão protetiva ao trabalhador, exigindo que a empresa demonstre a
habitualidade da conduta e sua gravidade. Além disso, a imediatidade na
aplicação da punição é essencial, pois a demora pode ser interpretada como um
perdão tácito da empresa".
Riscos jurídicos da demissão por justa causa
As apostas causam dependência e problemas psiquiátricos. O jogo
patológico é um distúrbio psiquiátrico reconhecido pela OMS através da CID
F-63.0. Os principais sinais do Jogo Patológico (ludopatia) incluem a obsessão
com jogos de azar, a necessidade crescente de apostar quantias cada vez maiores
para alcançar a mesma satisfação e a experiência de sintomas de abstinência
quando não se joga. Essas características podem afetar a vida cotidiana do
indivíduo, prejudicando relacionamentos e responsabilidades profissionais.
Mesmo quando há comprovação da prática, a reversão da demissão por justa causa
na Justiça do Trabalho não é incomum. "Um dos fatores que podem levar à
anulação da dispensa é o diagnóstico de ludopatia, reconhecido pela Organização
Mundial da Saúde (OMS) como um transtorno psiquiátrico.
Quando a empresa demite um funcionário diagnosticado com esse distúrbio
sem oferecer suporte ou tratamento, pode ser acusada de dispensa discriminatória",
explica a advogada.
Outro ponto de atenção é a
necessidade de seguir corretamente o procedimento disciplinar. Aplicar
múltiplas punições para o mesmo ato, como primeiro advertir e alguns dias
depois demitir por justa causa, pode invalidar a rescisão. Além disso,
tribunais costumam exigir provas robustas, como registros de acessos às
plataformas, depoimentos de testemunhas e documentos que comprovem a frequência
da prática.
Medidas preventivas para as empresas
Para evitar situações que possam gerar litígios trabalhistas, as
empresas podem adotar algumas medidas preventivas, tais como:
- Incluir regras sobre apostas no ambiente de trabalho nos códigos de
conduta e políticas internas;
- Promover a conscientização dos colaboradores sobre os impactos da
prática;
- Treinar gestores para identificar comportamentos que indiquem
envolvimento excessivo com jogos de azar;
- Em casos extremos, conduzir uma investigação interna rigorosa antes de
aplicar a justa causa;
- Caso um funcionário apresente sinais de dependência, considerar oferecer
suporte psiquiátrico antes de decidir pela demissão.
"O crescimento do setor de apostas online impõe desafios para empresas e
trabalhadores. Manter uma política clara e bem estruturada sobre o tema pode
evitar conflitos e minimizar riscos trabalhistas, garantindo um ambiente
corporativo mais produtivo e equilibrado", avalia Benevento.
Fonte:
Jornal Contábil