A tão esperada
reforma tributária sobre o consumo foi implementada pelo Congresso através da
Emenda Constitucional (EC) 132/23, após anos de discussão. Com a publicação da
Lei Complementar 214/25, em 16 de janeiro de 2025, mais uma etapa da reforma
foi concluída, embora ainda sejam necessárias complementações legislativas por
meio de leis ordinárias e atos normativos dos órgãos de fiscalização.
A necessidade de
simplificação do sistema tributário, maior clareza normativa, transparência na
carga fiscal e redução do impacto tributário sobre a população carente são
pontos centrais da reforma.
Entretanto, não
podemos criar, a falsa expectativa de que nossos problemas foram resolvidos.
Temos pela frente uma ampla discussão sobre a interpretação dos dispositivos legais
já editados (EC 132 e LC 214), bem como sobre a forma como as leis ordinárias a
serem editadas para regulamentação da nova sistemática serão editadas, além dos
atos normativos a serem expedidos pelos órgãos de fiscalização, na
regulamentação dos temas.
A EC 132 e a LC 214
substituíram cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISSQN) por dois novos: a
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços
(IBS). Contudo, a simplificação não foi plena, pois foram criados o Imposto Seletivo
(IS) e a Contribuição sobre Produtos Primários e Semielaborados (CPPS), além da
manutenção do IPI para produtos incentivados, como os fabricados na Zona Franca
de Manaus.
Transição até 2032
A transição para o
novo modelo ocorrerá gradualmente entre 2026 e 2032. Durante esse período, os
tributos antigos serão progressivamente substituídos pelos novos, permitindo
que contribuintes e entes federativos se adaptem.
O IBS será gerido de
forma integrada por estados, Distrito Federal e municípios, através de um
Comitê Gestor, que uniformizará interpretações, arrecadará e distribuirá as
receitas. Esse comitê contará com 27 membros dos estados e do Distrito Federal
e um número equivalente de representantes municipais, com alternância na
presidência para assegurar equilíbrio político.
A CBS e o IBS
seguirão o modelo de tributação sobre Valor Agregado (IVA), com incidência
sobre o valor agregado em cada etapa da cadeia produtiva, garantindo créditos
fiscais para evitar a tributação em cascata. A técnica adotada é a da "não
cumulatividade", já presente no IPI, ICMS e PIS/Cofins (regime não cumulativo).
No entanto, dúvidas jurídicas persistem sobre a amplitude do direito ao
crédito, principalmente nos casos de insumos e despesas indiretas.
Além disso, o novo
sistema tributário busca reduzir a burocracia e os custos de conformidade para
as empresas, substituindo uma complexa rede de legislações estaduais e
municipais por um modelo mais centralizado. No entanto, os impactos práticos
dessa transição ainda dependerão da regulamentação complementar.
A não cumulatividade
será aplicada amplamente, mas com algumas restrições. Gastos que não estejam
diretamente relacionados à atividade econômica não gerarão créditos. Além
disso, bens e serviços isentos ou sujeitos à alíquota zero também não
permitirão o aproveitamento de créditos tributários.
Comprovação de recolhimento do tributo
Uma das maiores
preocupações dos contribuintes é a exigência de comprovação do recolhimento
efetivo do tributo na etapa anterior para permitir o uso do crédito, algo
contestado nos tribunais em situações análogas, como no caso do ICMS. Para
reduzir riscos de inadimplência e sonegação, o governo promete a implementação
de mecanismos como o split payment, que repassa automaticamente o tributo
devido ao fisco.
Durante a transição,
os créditos acumulados de ICMS poderão ser compensados com débitos de IBS, e
eventuais saldos credores após 2032 serão tratados conforme o artigo 134 do
ADCT e normas complementares.
Outro ponto
importante é que o novo sistema mantém algumas regras diferenciadas para
empresas optantes do Simples Nacional, permitindo que essas gerem créditos em
montante equivalente ao cobrado por meio do regime unificado. No entanto,
dúvidas permanecem sobre a aplicabilidade desse crédito em operações com
incidência diferenciada.
Todos os setores da economia tratados igualmente
A reforma buscou
garantir a neutralidade do sistema tributário, tratando todos os setores
econômicos de forma equitativa. A tributação no destino, em vez da origem, foi
adotada para eliminar a guerra fiscal entre estados e municípios. Entretanto,
essa mudança pode impactar negativamente regiões menos desenvolvidas que
dependiam de incentivos fiscais para atrair investimentos. Como resposta,
mecanismos de compensação financeira foram previstos para estados que perderem
arrecadação.
A alíquota padrão
para a CBS e o IBS é estimada em 28%, mas haverá reduções e isenções. A
alíquota será reduzida em 100% para medicamentos, dispositivos médicos,
transporte coletivo e alimentos essenciais. Redução de 60% será aplicada a
setores como educação, saúde, insumos agrícolas e higiene pessoal. Já serviços
de profissão intelectual terão redução de 30%.
O mecanismo de cashback também
foi introduzido para devolver parte dos tributos pagos por consumidores de
baixa renda, mitigando o impacto tributário sobre produtos essenciais.
A mudança para um
sistema centralizado também pode afetar a capacidade de arrecadação de estados
e municípios, exigindo novos mecanismos para equilibrar as receitas locais. A
forma como essas transferências serão estruturadas ainda está em debate, e pode
gerar desafios para administrações regionais.
Regime diferenciado
A EC 132 e a LC 214
também estabeleceram regimes diferenciados para setores estratégicos, como
combustíveis, serviços financeiros, planos de saúde, hotelaria, transporte
coletivo, saneamento, cooperativas e setores culturais. Cada um desses
segmentos terá normas específicas para garantir maior adequação ao novo modelo
tributário.
A implementação da
reforma exigirá das empresas adaptação de seus sistemas tecnológicos, processos
contábeis e fluxos de pagamento. Pequenas e médias empresas precisarão
compreender as novas regras e readequar suas estratégias tributárias. Programas
de capacitação e apoio serão fundamentais para facilitar a transição.
A regulamentação dos
novos tributos ainda será objeto de intensos debates, especialmente no tocante
à aplicação das alíquotas, compensação de créditos e fiscalização. O
contencioso tributário pode aumentar no curto prazo, dada a complexidade da
transição e as interpretações divergentes entre contribuintes e órgãos fiscais.
Há pela frente,
assim, uma missão hercúlea na regulamentação desses novos tributos, com a
implementação de novas técnicas e conceitos, recheados com tratamentos díspares
entre os mais diversos setores, todos de fundamental importância para o
desenvolvimento de nossa economia e, respectivamente, de nossa sociedade.
Nota M&M: Acesse
outras matérias sobre a Reforma Tributária clicando no link: https://www.mmcontabilidade.com.br/Materia.aspx?id=23939
Autor: Rodrigo Forcenette. É sócio do escritório Brasil
Salomão e Matthes e professor de Direito Tributário.