A Emenda Constitucional nº 132/2023
reconfigurou os eixos da extrafiscalidade no Brasil ao renovar os fundamentos
constitucionais da tributação seletiva, até então rasamente endereçada pela
disciplina relativa ao IPI e ao ICMS na Constituição. A mera alusão à
seletividade, da qual se extrai apenas que o ônus tributário deve ser
inversamente proporcional à essencialidade dos bens, foi substituída por uma
referência direta ao risco à saúde e ao meio ambiente como expressão da
materialidade tributária.
A função extrafiscal
passa a ser expressamente vinculada à proteção da saúde e do meio ambiente,
indicando que o Imposto Seletivo assume uma vocação sobretudo regulatória dos
bens que se propôs a tutelar. Essa característica não é estranha à
extrafiscalidade praticada no Brasil pelo IPI e pelo ICMS, que há muito
desincentivam o consumo de bens temerários à saúde com alíquotas maiores. A
premissa, isto é, a redução do consumo pelo agravamento da alíquota, permanece
em função do caráter indutivo da nova espécie tributária, entretanto, com a
dimensão ambiental e o refinamento metodológico articulados pela EC nº 132/2023
e pela Lei Complementar nº 214.
Na condição de uma
medida eminentemente regulatória, não obstante a sua natureza tributária, a
administração do Imposto Seletivo não pode se furtar a práticas determinantes
para o sucesso de políticas públicas. Assim, ao editar o regulamento aplicável
ao Imposto Seletivo, cabe ao chefe do Poder Executivo da União, prever:
1. A elaboração de
análises ex-ante e ex-post das
alíquotas como um todo, bem como dos critérios para graduação ou redução a zero
da alíquota nas hipóteses admitidas pelo legislador;
2. Definição de
metas específicas;
3. Cooperação entre
a Receita Federal e os ministérios da Saúde e do Meio Ambiente para
monitoramento dos resultados;
Tais previsões
decorrem não de um capricho, de um aceno cosmético do poder regulamentar à
higidez regulatória, mas da seriedade técnica que impõe a tutela dos
imperativos contemplados pela exação em comento.
Extrafiscalidade
ficará ainda mais rarefeita
Sem embargo, o
aperfeiçoamento regulatório do Imposto Seletivo não se dá apenas em sede
regulamentar. Apesar dos avanços empreendidos ao longo da gestação da LC nº
214/2025, como a inclusão de bebidas açucaradas entre as hipóteses de
incidência, o seu alcance ainda destoa das tendências mais reputadas em health taxes, visto que
alimentos ultraprocessados seguem intocados pelo raio de incidência do Imposto
Seletivo. Além das falhas materiais, a exagerada largueza do prazo para
avaliação ex-post sob
a redação atual do artigo 476 da LC nº 214 do exige pronta revisão pelo
legislador [1].
A extrafiscalidade
do Imposto Seletivo, já sutilmente esmaecida pela hipótese de que eventual
redução da arrecadação pós-IPI será compensada pela receita do IS (artigo 477,
LC nº 214), se tornará ainda mais rarefeita sem o zelo pela governança regulatória
que lhe cabe enquanto política pública.
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[1] Nesse sentido,
acerta o Projeto de Lei Complementar nº 30/2025 ao propor que a avaliação em
referência se dará anualmente e não em cinco anos como fixa a redação vigente.
Autor: Pedro Merheb, é relator do GT sobre o
imposto seletivo da Comissão Especial da Reforma Tributária da OAB-DF e
advogado.