A reforma
tributária demanda exame minucioso de seus impactos. Conciliar a modernização
tributária com a imperativa redução das desigualdades regionais requer soluções
inovadoras e urgentes.
A Constituição Federal de 1988 estabelece,
em seu preâmbulo e diversos dispositivos, o objetivo fundamental de reduzir as
desigualdades sociais e regionais no Brasil, um país de dimensões continentais
marcado por disparidades socioeconômicas.
Tal fato é reforçado pelo art. 3 da Carta
Magna, que elenca, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil, a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das
desigualdades sociais e regionais. A busca pela uniformidade geográfica no
desenvolvimento econômico sempre representou um desafio para a nação.
Historicamente, a concessão de incentivos
fiscais pelos estados e municípios, com o intuito de encorajar o investimento e
o desenvolvimento regional, frequentemente ocorreu à margem da legislação. O
art. 150, § 6º da CF/1988 já previa a necessidade de lei específica para a
concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos a tributos.
Contudo, a prática revelou um cenário de
"guerra fiscal", caracterizado pela concessão unilateral de
benefícios, na maioria das vezes em desacordo com a LC 24/1975, que exigia a
unanimidade dos estados para a aprovação de tais medidas. A dificuldade em
obter tal consenso motivou os governos estaduais a adotarem incentivos de forma
isolada.
Nesse contexto, a reforma tributária,
impulsionada pela emenda constitucional 132/23 e regulamentada, entre outros
diplomas, pela LC 214/25, surge como um instrumento para pôr fim à guerra
fiscal.
Subjaz a essa mudança a percepção de que a
concessão indiscriminada de incentivos fiscais configura uma política ineficiente,
marcada pela falta de transparência e pela questionável eficiência na promoção
do desenvolvimento almejado.
A lógica subjacente à reforma propõe uma
arrecadação neutra, com eventuais políticas de incentivo sendo implementadas
via dispêndios públicos diretos, como empréstimos e subsídios, instrumentos
considerados mais mensuráveis e transparentes.
A reforma tributária, ao instituir um novo
sistema de tributação sobre o consumo, retira dos estados e municípios a
autonomia para conceder novos benefícios fiscais sobre os tributos extintos,
como o ICMS e o ISS.
Para mitigar os impactos dessa mudança, os
artigos 12 e 128 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no
art. 384 da LC 214/24, estabeleceu um fundo de compensação para empresas que
detinham benefícios fiscais onerosos de ICMS (com contrapartidas) até
31/05/2023. Esse fundo compensará as empresas no período entre 01/01/2029 e
31/12/2032. Outro ponto relevante é que os benefícios que passaram a adotar
esse formato entre 31/05/2023 e 20/12/2023, com concessão datada até
16/04/2025, também se qualificam para a compensação.
Contudo, a operacionalização dessa
compensação suscita preocupações. A habilitação das empresas perante a RFB -
Receita Federal do Brasil e a possibilidade deste órgão estabelecer requisitos
para a efetiva disponibilização dos recursos abrem margem para alta
litigiosidade.
Segundo a LC 214/25, as empresas que
desejarem obter a compensação deverão se habilitar na Receita Federal entre 1º
de janeiro de 2026 e 31 de dezembro de 2028.
Considerando o histórico de interpretações
e exigências da RFB, paira a incerteza sobre a extensão em que os contribuintes
terão acesso à compensação e qual o valor efetivamente a ser ressarcido,
especialmente em relação a critérios que podem não ter sido objeto de discussão
prévia entre estados e contribuintes no momento da concessão do incentivo.
Ademais, foi instituído o FNDR - Fundo
Nacional de Desenvolvimento Regional, a partir da EC 132/23, objetivando
reduzir as desigualdades regionais e sociais, mediante a entrega de recursos da
União aos Estados e ao Distrito Federal. A distribuição dos recursos desse
fundo observará alguns critérios, como população (com peso de 30%), e o
coeficiente de participação de cada estado no Fundo de Participação dos Estados
(com peso de 70%).
Essa sistemática de distribuição, embora
busque estes critérios objetivos, desvincula a alocação de recursos das
peculiaridades regionais e do grau de desenvolvimento de cada unidade
federativa. Estados mais desenvolvidos também serão contemplados, levantando
questionamentos sobre a efetividade do fundo em promover a redução das
desigualdades regionais, conforme preconiza a Constituição Federal.
Reconhece-se que o modelo histórico de
incentivos fiscais, apesar de ter contribuído para a industrialização do país e
o desenvolvimento de regiões menos favorecidas, apresentava fragilidades
jurídicas e falta de transparência na mensuração de seu impacto no
desenvolvimento estadual.
No entanto, a extinção desses mecanismos,
sem uma estratégia clara e eficaz para as regiões menos desenvolvidas, pode
acarretar consequências negativas. A lógica econômica sugere que, com o fim dos
incentivos fiscais, empresas tendem a priorizar a instalação ou o retorno para
centros urbanos com melhor infraestrutura e acesso a mercados, uma vez que o
fator determinante para sua localização, em muitos casos, era justamente a
existência dos benefícios fiscais.
A nova sistemática de distribuição da
receita tributária, baseada no destino do consumo, tende a desfavorecer ainda
mais os municípios com menor atividade econômica.
Adicionalmente, a política de alocação de
recursos do FNDR pode não ser suficiente para impulsionar o desenvolvimento em
áreas com maiores desafios socioeconômicos.
Diante desse cenário, torna-se urgente e
necessário refletir sobre os seguintes pontos:
A adequação do novo sistema à realidade de
um Brasil profundamente desigual: A reforma tributária, em sua concepção e
implementação, considera as particularidades regionais e as necessidades de
desenvolvimento das áreas menos favorecidas?
A metodologia de arrecadação neutra e os
dispêndios públicos diretos serão suficientes para compensar a perda dos
benefícios fiscais nas regiões menos desenvolvidas?
As estratégias que os estados podem adotar
para manter a atratividade de seus territórios após o fim do fundo de
compensação: Como os estados, diante da perda da autonomia para conceder
incentivos fiscais e da possível redução de recursos, podem criar um ambiente
de negócios competitivo e mitigar as dificuldades que se avizinham?
Qual será papel da colaboração
interfederativa no desenvolvimento de estratégias regionais para mitigar os
impactos da reforma?
A viabilidade de modelos alternativos,
dentro da legalidade, para fomentar o desenvolvimento regional: Existiriam
mecanismos que, respeitando os princípios da reforma tributária, pudessem
direcionar investimentos e promover o desenvolvimento em regiões específicas?
O FNDR - Fundo Nacional de Desenvolvimento
Regional em sua forma atual é o mecanismo mais adequado para promover o
desenvolvimento em regiões com maiores desafios socioeconômicos?
A reforma tributária é uma realidade e o
momento exige uma análise aprofundada de suas implicações, bem como a busca por
soluções inovadoras que permitam conciliar a modernização do sistema tributário
com a imperativa necessidade de reduzir as desigualdades regionais e promover
um desenvolvimento econômico mais equilibrado em todo o território nacional.
Nesse contexto, a modernização tributária deve ser parte integrante de um
planejamento estratégico de desenvolvimento regional que evolua além da simples
substituição de incentivos fiscais, buscando ativamente soluções inovadoras e
precisamente adaptadas às necessidades distintas de cada região e, em última
instância, de cada empresa.
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sobre a Reforma Tributária acessando mais artigos e matérias sobre o tema,
clicando em: https://www.mmcontabilidade.com.br/Materia.aspx?id=23939
Autoras:
Talita
Fernande, profissional com experiência em otimização fiscal e eficiência
operacional, liderando a área fiscal na Cimento Apodi.
Adriana
Pontes Barros, sócia de Consultoria Tributária na Abax Consultoria.
Especialista em compliance e geração de caixa através de estratégias de
recuperação tributária.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/430998/reforma-tributaria-e-o-fim-dos-beneficios-fiscais