A transição para uma
economia de baixo carbono tem exigido dos ordenamentos jurídicos a incorporação
de mecanismos eficazes de incentivo à proteção ambiental. No contexto
brasileiro, essa demanda ganhou contornos ainda mais relevantes diante da
recente reforma tributária do consumo, formalizada pela Emenda
Constitucional nº 132/2023, que introduziu uma reestruturação da tributação
sobre bens e serviços.
No centro desse novo
arranjo fiscal, destaca-se a crescente preocupação com a definição do
tratamento tributário aplicável ao mercado de créditos de carbono, os quais
representam uma tonelada de dióxido de carbono que foi removida ou evitada da
atmosfera e hoje em dia tem grande impacto no meio ambiente do mundo todo,
inclusive no Brasil.
Esse mercado de créditos
de carbono é dividido em duas modalidades: mercado regulado - quando os
governos estabelecem limites obrigatórios de emissões (cap-and-trade) e
empresas que ultrapassam o limite compram créditos de quem emite menos - e
mercado voluntário - quando empresas adquirem créditos de forma espontânea para
compensar as suas emissões.
O Brasil, até pouco
tempo atrás, operava quase exclusivamente no mercado voluntário, sem uma
regulamentação clara. No entanto, em 2024, foi editada a Lei nº 15.042/24 que
instituiu o mercado regulado denominado "Sistema Brasileiro de Comércio de
Emissões (SBCE) e trouxe regras tributárias para o comércio dos créditos de
carbono, instituindo o sistema de cap-and-trade no país, com efeitos
a partir de 2025.
Incidência de
impostos sobre créditos de carbono
Nessa perspectiva,
atualmente, com a entrada em vigor da Lei nº 15.042/2024, estabeleceu-se que
não há incidência de PIS e Cofins sobre receitas com venda de créditos de
carbono, conforme o artigo 19, bem como consignou a dedutibilidade para fins de
IRPJ e CSLL dos dispêndios de créditos de carbono (artigo 18)
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Com isso, a partir
de 2025, a venda de créditos de carbono estará fora do campo de incidência dos
tributos ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins, restando apenas a tributação pelo IRPJ e
CSLL. Tal avanço representa um incentivo normativo à internalização de práticas
ambientais e à consolidação do mercado de carbono no Brasil.
No entanto, com a
regulamentação da Reforma Tributária pela Lei Complementar nº 214/2025,
surgiu-se o debate sobre a incidência de IBS e CBS sobre esses créditos. Como
já se sabe, em 2027 iniciará a cobrança da CBS, extinguindo-se o PIS e a
Cofins. Do mesmo modo, em 2029 iniciará a cobrança do IBS, com uma redução de
forma gradativa do ICMS e ISS.
Princípios
constitucionais
Apesar de o artigo
156-A da Constituição prever a possibilidade de incidência dos novos tributos
sobre "bens materiais ou imateriais, inclusive direitos", a tributação
irrestrita de ativos ambientais como os créditos de carbono pode ferir
princípios constitucionais caros à ordem jurídico-tributária brasileira.
Não deveria haver
incidência desses tributos sobre esse comércio, considerando todo o aparato
constitucional que visa à proteção do meio ambiente. Cabe relembrar que o
artigo 225 da Constituição traz o princípio da defesa do meio ambiente, direito
fundamental a um ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao poder público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
Não obstante, no §
1º, inciso VII, do artigo 225, é ressaltado o dever de se "proteger a fauna e a
flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies e submetam os animais à crueldade".
Não se pode olvidar que o direito ao meio ambiente é um direito de terceira
geração, sendo indiscutível a sua função primordial e insubstituível para que a
vida possa se manter.
Dessa maneira,
qualquer lei abaixo da Constituição deve respeitar e utilizar como base o
referido princípio visando à conservação do meio ambiente, ou seja, é
necessário equilibrar o crescimento econômico com a sustentabilidade ambiental.
Tributação iria
contra princípio do meio ambiente
Assim, tendo em
vista que a proteção ao meio ambiente é um dever e direito constitucional, o
direito tributário é um instrumento que pode ser utilizado a fim de se atingir
esse objetivo, seja pela função fiscal, seja pela função extrafiscal dos
tributos.
A tributação de IBS
e CBS do comércio de créditos e carbono pode acabar indo contra esse princípio
do meio ambiente, dado que aumentaria consideravelmente a carga tributária
sobre a comercialização de créditos de carbono. Ou seja, haveria uma maior
oneração nessa operação cuja natureza visa incentivar externalidades ambientais
positivas, contrariando o propósito do próprio crédito de carbono e o comando
constitucional de proteção ambiental.
A incidência plena
de CBS e IBS sobre os créditos de carbono, sem qualquer mecanismo de
compensação ou incentivo (como alíquotas reduzidas ou créditos presumidos),
resulta em tributação desproporcional sobre um ativo cuja natureza é
precisamente fomentar externalidades ambientais positivas. A função dos
créditos de carbono é remunerar a redução, retenção ou remoção de CO2 da
atmosfera. Portanto, tributar essas operações representa sanção fiscal a
comportamentos sustentáveis.
Desse modo, a
cobrança dos tributos IBS e CBS sobre os créditos de carbono não é vedada pela
Constituição. Entretanto, a ausência de tratamento diferenciado ou a aplicação
irrestrita da carga tributária padrão pode implicar consequências negativas ao
meio ambiente, caso a norma se revele desestimuladora de práticas ambientais
benéficas.
Constitucionalidade
de tributação ambiental
A constitucionalidade
da tributação ambiental depende de um equilíbrio entre o princípio da
capacidade contributiva, a função extrafiscal dos tributos e os objetivos de
proteção ao meio ambiente. Assim, eventuais soluções como créditos presumidos e
regimes diferenciados para aquisições sustentáveis devem ser debatidas com
cautela pelo Congresso Nacional, dada a relevância do tema.
A Lei nº 15.042/24
representa um marco positivo ao conferir segurança jurídica às operações com
créditos de carbono, ao passo que a Lei Complementar nº 214/25 inaugura uma
nova etapa da tributação sobre o consumo. O ponto de tensão está na possível
aplicação da CBS e do IBS à comercialização de créditos de carbono, o que pode
desvirtuar a lógica ambiental do instrumento e afrontar o princípio de defesa
ao meio ambiente.
A discussão não é
apenas técnica ou fiscal. Trata-se de definir qual papel o Brasil pretende
assumir na economia verde global. A definição de um regime tributário que
incentive, e não puna, a descarbonização será essencial para compatibilizar o
desenvolvimento econômico e proteção ambiental. Essa discussão precisa ser
aprofundada, sob pena de se inviabilizar, por via fiscal, um dos instrumentos
mais promissores da transição ecológica brasileira.
Defende-se, com base
em fundamentos constitucionais, a exclusão dos créditos de carbono da
incidência do IBS e da CBS ou, ao menos, a criação de regime fiscal
diferenciado que preserve a finalidade ambiental do instrumento e evite a
tributação que cause o desestímulo de práticas favoráveis ao meio ambiente. A
sustentabilidade fiscal deve caminhar ao lado da sustentabilidade ambiental.
Autora: Isabella Mathias Vetere. É advogada
tributarista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.