A promulgação da
Emenda Constitucional n.132/2023 e sua subsequente regulamentação,
materializada na hipotética Lei Complementar n.214/2025
A promulgação da
Emenda Constitucional (EC) nº 132/2023 e sua subsequente regulamentação,
materializada na hipotética Lei Complementar (LC) nº 214/2025 , representam o
mais profundo redesenho do sistema fiscal brasileiro em décadas.
Embora a atenção
pública e midiática tenha se concentrado na unificação dos tributos sobre o
consumo através da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), uma alteração silenciosa, porém de
impacto sísmico, emerge das entrelinhas da nova legislação.
Esta mudança
redefine fundamentalmente a relação entre sócios e suas empresas, visando
diretamente uma prática longamente consolidada no planejamento patrimonial
brasileiro: o uso gratuito de ativos corporativos por sócios e seus familiares.
A tese central deste
relatório é que a Reforma Tributária transcende a mera simplificação de
impostos indiretos.
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Ela instaura uma
nova filosofia de fiscalização que ataca a informalidade e a confusão
patrimonial, pilares sobre os quais muitas estruturas de holding familiar foram
erguidas. Este novo paradigma se manifesta através de uma ameaça tributária de
duas frentes, que atinge simultaneamente a pessoa jurídica e a pessoa física:
Para a Holding
(Pessoa Jurídica): A nova legislação estabelece que o "fornecimento" de
bens e serviços é o fato gerador do IBS e da CBS. A definição ampla e
estratégica de "fornecimento" passa a incluir a cessão ou disponibilização de
bens a título gratuito, obrigando a empresa a recolher os novos tributos mesmo
na ausência total de receita ou fluxo de caixa correspondente. A base de
cálculo, nesses casos, será o valor de mercado da operação, transformando um
benefício informal em uma despesa tributária concreta e recorrente para a
holding.
Para o Usuário
(Pessoa Física): De forma paralela e cumulativa, a reforma cria o ambiente
perfeito para a reativação de uma norma até então "adormecida" do Regulamento
do Imposto de Renda (RIR/2018). O artigo 41, §1º, deste regulamento, prevê que
a pessoa física que utiliza gratuitamente um imóvel de terceiro - incluindo um
pertencente à sua própria holding - deve declarar e tributar pelo Imposto de
Renda (IRPF) uma renda presumida, calculada em 10% do valor do imóvel ao ano. A
ineficácia histórica desta norma, devida a dificuldades de fiscalização, está
prestes a terminar com os novos mecanismos de cruzamento de dados que a reforma
viabilizará.
A confluência destes
dois vetores de tributação cria um risco agudo e iminente de dupla tributação
econômica sobre o mesmo fenômeno: o uso de um ativo da holding pelo sócio. Uma
estrutura que antes oferecia eficiência e proteção patrimonial agora pode se
converter em uma armadilha fiscal, gerando custos anuais significativos que
corroem o patrimônio.
Diante deste
cenário, a revisão completa e urgente de todas as estruturas de holding
familiar que se valem de arranjos informais de uso de bens não é mais uma
opção, mas uma necessidade imperativa para a preservação do legado familiar.
Este relatório se propõe a dissecar as bases legais desta nova realidade,
quantificar seus impactos e analisar as estratégias de reestruturação
disponíveis.
A Nova Arquitetura
Jurídica dos Tributos sobre o Consumo: O Alcance do IBS e da CBS
A transição para o
novo sistema de tributação sobre o consumo não foi um ato isolado, mas o
culminar de um longo processo legislativo que partiu dos princípios gerais
estabelecidos na Emenda Constitucional nº 132/2023 e se detalhou nas regras
específicas da Lei Complementar nº 214/2025. Esta lei, originada do Projeto de
Lei Complementar (PLP) nº 68/2024 , foi o veículo que transformou a teoria de
um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual em realidade jurídica e operacional.
No cerne desta
transformação está o princípio da neutralidade, que informa toda a estrutura do
IBS e da CBS e busca evitar que a tributação distorça as decisões de consumo e
de organização da atividade econômica. Para alcançar essa neutralidade, o
legislador optou por uma base de incidência extremamente ampla, um conceito que
se revela fundamental para entender a nova tributação sobre operações
gratuitas.
Dissecando o
"Fornecimento": O Gancho Legal para a Tributação da Gratuidade
O ponto nevrálgico
da nova sistemática reside na definição do fato gerador do IBS e da CBS.
Diferentemente do sistema anterior, que se concentrava em conceitos como "faturamento"
ou "receita bruta" (no caso de PIS e COFINS), a nova legislação adota o
conceito de "fornecimento" como evento tributável. O artigo 3º da LC 214/2025
define "fornecimento" de forma deliberadamente abrangente, incluindo:
a) a entrega ou
disponibilização de bem material; b) a instituição, transferência, cessão,
licenciamento ou disponibilização de bem imaterial, inclusive direito; c) a
prestação de serviço.
A escolha das
palavras "disponibilização" e "cessão" é estratégica e não acidental. Elas foram
incluídas para capturar operações que não envolvem uma contraprestação
financeira direta, mas que representam uma forma de consumo ou fruição de um
bem ou serviço.
A cessão gratuita de
um imóvel de uma holding para um sócio se enquadra perfeitamente na hipótese de
"disponibilização de bem material". O artigo 5º da mesma lei complementar
reforça essa interpretação ao prever explicitamente a incidência dos tributos
sobre operações realizadas a título gratuito ou por valor inferior ao de
mercado, especialmente entre partes relacionadas.
Esta mudança
representa uma alteração filosófica fundamental na tributação brasileira. O
sistema anterior, focado na receita, era cego a transferências de valor que não
gerassem um ingresso financeiro formal. Uma holding poderia ceder um imóvel a
um sócio sem gerar receita e, consequentemente, sem incorrer em PIS/COFINS.
O novo modelo,
alinhado aos padrões internacionais de IVA, foca na substância econômica da
operação: o consumo.
A fruição do
benefício de morar em um imóvel ou usar um veículo é uma forma de consumo, e o
sistema agora está desenhado para tributar esse consumo, independentemente de
haver ou não um pagamento formal.
A lógica é que, se o
bem não estivesse sendo cedido gratuitamente ao sócio, poderia estar sendo
alugado no mercado, gerando valor e, portanto, base tributável. A gratuidade é
vista como uma renúncia de receita que não pode mais servir como escudo fiscal.
A Determinação da
Base de Cálculo na Ausência de Preço
Uma vez estabelecido
que a cessão gratuita é um fato gerador, a questão subsequente é: sobre qual
valor o IBS e a CBS serão calculados? Na ausência de um preço contratado, a
legislação estabelece que a base de cálculo será o valor de mercado da
operação. No caso da cessão de um imóvel, isso corresponderia ao valor de um
aluguel que seria cobrado por um bem similar, na mesma localidade e com as
mesmas características, em uma transação entre partes independentes.
Essa regra introduz
um novo campo de complexidade e potencial litígio. A determinação do "valor de
mercado" não é uma ciência exata e pode ser objeto de divergência entre o
contribuinte e a autoridade fiscal.
As holdings
precisarão desenvolver metodologias robustas para avaliar e documentar o valor
de mercado das cessões gratuitas, possivelmente recorrendo a laudos de
avaliação imobiliária periódicos para se precaverem contra questionamentos
futuros. A falta de uma documentação adequada pode levar a arbitramentos por
parte do Fisco, resultando em bases de cálculo superiores às esperadas e, consequentemente,
em autuações fiscais.
A Identificação do
Contribuinte
A legislação é clara
ao definir quem é o sujeito passivo desta nova obrigação tributária. O artigo
3º da LC 214/2025 define como "fornecedor" aquele que realiza o fornecimento,
seja ele pessoa jurídica, entidade sem personalidade jurídica ou até mesmo
pessoa física. No contexto em análise, a holding familiar, como proprietária do
bem e entidade que o disponibiliza para uso, é inequivocamente o "fornecedor".
Portanto, é sobre a
pessoa jurídica que recai a responsabilidade de apurar o valor de mercado da
cessão, calcular o IBS e a CBS devidos sobre esse valor e efetuar o
recolhimento aos cofres públicos, mesmo que nenhum recurso financeiro tenha
transitado em decorrência da operação. Esta obrigação de desembolso sem
contrapartida de receita representa um impacto direto e negativo no fluxo de
caixa da empresa.
A Ameaça Reativada:
Renda Presumida e o Poder dos Dados
Enquanto a criação
do IBS e da CBS sobre cessões gratuitas é uma inovação da Reforma Tributária, o
segundo pilar da nova ameaça fiscal é, paradoxalmente, uma norma antiga.
A potencial
tributação da pessoa física que usufrui do bem não surge do nada, mas da
provável aplicação rigorosa de uma disposição legal que, por décadas, permaneceu
em grande parte teórica devido a barreiras operacionais de fiscalização. A
reforma atua como o catalisador que remove essas barreiras, "despertando" uma
regra com poder de gerar um passivo de Imposto de Renda significativo para os
indivíduos.
A Descoberta de uma
Lei "Adormecida": O Artigo 41, §1º do RIR/2018
O Decreto nº
9.580/2018, que consolida a legislação do Imposto de Renda e é conhecido como
RIR/2018, contém em seu artigo 41, §1º, uma regra clara e direta. Este
dispositivo, cuja origem remonta à Lei nº 4.506 de 1964 , estabelece:
§ 1º - Na hipótese
de imóvel cedido gratuitamente, constitui rendimento tributável na declaração
de ajuste anual o equivalente a dez por cento do seu valor venal, ou do valor
constante da guia do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU correspondente
ao ano-calendário da declaração.
A redação é
inequívoca. A lei equipara a vantagem econômica obtida pelo uso gratuito de um
imóvel de terceiro a uma forma de rendimento tributável. Para fins fiscais, o
indivíduo que mora em uma casa ou utiliza uma sala comercial de propriedade de
sua holding familiar sem pagar aluguel está, perante a lei, auferindo uma
"renda". O legislador, há muito tempo, presumiu o valor dessa renda em um
patamar bastante elevado: 10% do valor do imóvel por ano. Isso significa que
para um imóvel avaliado em
R$2.000.000, o
usuário deveria, legalmente, adicionar R$200.000 à sua base de cálculo do IRPF,
mesmo sem ter recebido um único centavo em espécie.
Por que Agora? O
Catalisador da Fiscalização
Se a regra existe há
tanto tempo, por que ela se torna uma ameaça premente apenas agora? A resposta
está na tecnologia e na integração de dados. Historicamente, a Receita Federal
enfrentava uma enorme dificuldade em identificar essas situações. Seria
necessário cruzar manualmente as declarações de bens de pessoas jurídicas com
os endereços residenciais e comerciais declarados por pessoas físicas, uma
tarefa hercúlea e de baixa eficiência. A informalidade prosperava na sombra da
incapacidade do Fisco de conectar os pontos.
A Reforma
Tributária, contudo, é também uma reforma da administração tributária. A
implementação do IBS e da CBS depende de um sistema de notas fiscais
eletrônicas e de cadastros unificados altamente sofisticado. Um dos subprodutos
mais importantes deste esforço é o fortalecimento e a nacionalização do
cadastro de imóveis, como o Cadastro Brasileiro de Imóveis (CIB). Com um banco
de dados centralizado e digital, a Receita Federal poderá, com um simples
comando de computador, cruzar informações e identificar com precisão quais
imóveis pertencem a uma holding (PJ) e qual o endereço de residência ou
domicílio fiscal declarado pelo sócio (PF) em sua declaração de IRPF.
Quando o sistema
detectar que o endereço do sócio corresponde a um imóvel da holding e não
houver um contrato de aluguel correspondente (cujos rendimentos deveriam ser
declarados pela holding e pelo sócio), um alerta de inconsistência será gerado
automaticamente. A "lei adormecida" será despertada não por uma mudança em seu
texto, mas pela criação da ferramenta que permite sua aplicação em massa e de
forma eficiente. A probabilidade de fiscalização e autuação, que antes era
remota, torna-se altíssima.
Quantificando o
Impacto no Indivíduo
Para compreender a
magnitude do risco, é essencial traduzir a previsão legal em números concretos.
O impacto financeiro para a pessoa física pode ser devastador, pois o imposto
incidirá sobre uma renda "ficta", exigindo um desembolso de caixa real para
quitar um tributo sobre um benefício não monetário. A tabela abaixo simula o
custo anual do IRPF para o usuário do imóvel.
Tabela 1: Simulação
de IRPF Anual sobre Renda Presumida (Art. 41, §1º RIR/2018)
|
Valor do Imóvel
|
Renda Presumida Anual (10%)
|
Base de Cálculo Anual (Ajustada)
|
Alíquota Efetiva de IRPF (Estimada)
|
|
R$2.000.000
|
R$200.000
|
R$170.957,09
|
21,29%
|
|
R$5.000.000
|
R$500.000
|
R$470.957,09
|
25,43%
|
|
R$10.000.000
|
R$1.000.000
|
R$970.957,09
|
26,47%
|
Nota: Os cálculos
consideram a tabela progressiva anual do IRPF para 2024, com a dedução padrão
por dependente e o desconto simplificado ou as deduções legais (neste caso, foi
utilizada a parcela a deduzir da alíquota máxima). A base de cálculo ajustada
reflete a dedução da parcela a deduzir correspondente. Os valores são
estimativas para fins ilustrativos.
A tabela demonstra
que o uso "gratuito" de um patrimônio familiar agora tem um custo fiscal direto
e substancial para o beneficiário. Este custo, que antes era zero na prática,
agora representa uma nova e significativa despesa anual que deve ser planejada
e provisionada. O que se percebe é que a aplicação do artigo 41 do RIR/2018 não
é apenas uma medida arrecadatória. É uma ferramenta estratégica da
administração tributária para induzir um comportamento: a formalização das
relações entre a pessoa jurídica e seus sócios. Ao tornar a informalidade
excessivamente onerosa, o Fisco força as famílias a tratarem suas holdings como
entidades de fato separadas, com relações contratuais claras, combatendo a
"confusão patrimonial" de forma muito mais eficaz do que através de complexas
disputas judiciais sobre a desconsideração da personalidade jurídica. A
consequência indireta é um incentivo à melhoria da governança corporativa,
impulsionada pela necessidade fiscal.
O Nexo da Dupla
Tributação: Uma Análise Jurídica e Econômica
A consequência mais
perversa da nova conjuntura tributária é a sobreposição das duas exações -
IBS/CBS para a holding e IRPF para o usuário - sobre o mesmo fenômeno
econômico. Essa convergência cria um cenário de dupla oneração que, embora
possa ser tecnicamente defensável sob uma ótica jurídica estrita, é
economicamente gravosa e representa o cerne do novo desafio para o planejamento
patrimonial.
Traçando a Jornada
Tributária: Um Estudo de Caso
Para ilustrar o
efeito combinado, consideremos um estudo de caso prático: uma holding familiar
é proprietária de um apartamento avaliado em R$3.000.000, que é utilizado como
residência pelo filho de um dos sócios, sem qualquer contrato ou pagamento de
aluguel.
Na Esfera da Pessoa
Jurídica (Holding):
Apuração da Base de
Cálculo: A holding deve primeiro determinar o valor de mercado do aluguel
do imóvel. Supondo que um aluguel de mercado para um apartamento similar seja
de R$15.000 por mês, o valor anual da operação é de R$180.000.
Cálculo do IBS/CBS: Sobre
essa base de cálculo de R$180.000, a holding aplicará a alíquota padrão do IVA
dual. Estimativas de especialistas e do governo apontam para uma alíquota
combinada de IBS e CBS em torno de 26,5%.
Tributo Devido pela
PJ: O cálculo resulta em um débito tributário de R$180.000×26,5%=R$47.700.
Este valor deverá ser pago pela holding, mesmo que seu fluxo de caixa para o
ano tenha sido zero em relação a este ativo.
Na Esfera da Pessoa
Física (Usuário):
Apuração da Renda
Presumida: O filho, como usuário do imóvel, deve aplicar a regra do artigo
41, §1º do RIR/2018. A renda presumida anual é de 10% do valor do imóvel, ou
seja, 10%×R$3.000.000=R$300.000.
Cálculo do IRPF: Este
valor de R$300.000 é adicionado à base de cálculo do seu Imposto de Renda.
Utilizando a mesma lógica da Tabela 1, um rendimento tributável dessa magnitude
resultaria em um IRPF devido de aproximadamente R$70.000 (considerando a
alíquota máxima e as deduções).
Tributo Devido pela
PF: O filho terá que desembolsar R$70.000 para quitar seu débito com a
Receita Federal.
O resultado final é
que o uso de um único ativo gera uma carga tributária combinada de R$47.700
(PJ) + R$70.000 (PF) = R$117.700 por ano.
O Debate Jurídico:
Dupla Incidência vs. Bis in Idem
Diante de uma
oneração tão expressiva, a questão que emerge naturalmente é se essa situação
configura uma dupla tributação inconstitucional, vedada pelo princípio do ne
bis in idem. A análise jurídica, no entanto, é complexa. A defesa provável da
Fazenda Nacional se baseará na distinção técnica entre os fatos geradores, as
bases de cálculo e os contribuintes de cada tributo.
IBS/CBS: O
contribuinte é a pessoa jurídica (a holding). O fato gerador é
o fornecimento de um bem (a disponibilização do imóvel),
caracterizando uma operação de consumo. A base de cálculo é o valor de
mercado da cessão (o aluguel presumido).
IRPF: O
contribuinte é a pessoa física (o usuário). O fato gerador é a aquisição
de disponibilidade econômica ou jurídica de renda (o acréscimo patrimonial
decorrente da vantagem de não pagar aluguel). A base de cálculo é uma presunção
legal fixa (10% do valor do imóvel).
Sob este prisma
formalista, os tributos incidem sobre eventos jurídicos distintos e sobre
sujeitos passivos diferentes. Portanto, argumentaria o Fisco, não haveria bis
in idem (tributação do mesmo fato, pelo mesmo ente, sobre o mesmo
contribuinte), mas sim uma dupla incidência perfeitamente legal.
Contudo, do ponto de
vista da capacidade contributiva e da realidade econômica, é inegável que a
mesma riqueza (o valor de uso do imóvel) está sendo tributada duas vezes, uma
na origem (na empresa que fornece) ? uma no destino (na pessoa que consome o
benefício). Essa discussão certamente será levada aos tribunais, mas o desfecho
é incerto, e os contribuintes não podem contar com uma vitória judicial para
planejar seu futuro.
Quantificando o
Fardo Combinado
A melhor maneira de
visualizar a ruptura causada pela reforma é comparar o cenário anterior com o
atual. A tabela a seguir demonstra o dramático aumento do atrito fiscal.
Tabela 2: Análise
Comparativa da Carga Tributária (Pré vs. Pós-Reforma)
|
Item de Custo
|
Cenário
Pré-Reforma
|
Cenário
Pós-Reforma
|
|
Cenário Base
|
Imóvel de R$3M em
holding, uso gratuito por sócio
|
Imóvel de R$3M em
holding, uso gratuito por sócio
|
|
Tributo na PJ
(Holding)
|
R$0
|
R$47.700 (IBS/CBS
sobre aluguel de mercado)
|
|
Tributo na PF
(Usuário)
|
R$0 (regra do
RIR/2018 não fiscalizada)
|
R$70.000 (IRPF
sobre renda presumida de 10%)
|
|
Custo Tributário
Total Anual
|
R$0
|
R$117.700
|
|
Custo Total como %
do Valor do Imóvel
|
0%
|
3,92%
|
A tabela revela a
essência do problema. Uma estrutura que era fiscalmente neutra agora impõe um
custo anual de quase 4% sobre o valor do ativo. Este "vazamento" de valor,
recorrente e expressivo, compromete a própria lógica de manter tais ativos
dentro de uma pessoa jurídica e exige uma reavaliação fundamental das
estratégias de planejamento patrimonial.
Impacto Estrutural
no Planejamento Patrimonial e Sucessório
As novas regras
tributárias não afetam apenas o fluxo de caixa anual das famílias; elas abalam
os alicerces sobre os quais o planejamento patrimonial e sucessório foi
construído no Brasil nas últimas décadas. A holding familiar, antes um veículo
quase universal para organização e proteção de ativos, agora está sob intenso
escrutínio, e sua eficácia deve ser reavaliada caso a caso. A situação é
agravada por outras mudanças trazidas pela reforma, criando uma "tempestade
perfeita" para o patrimônio familiar.
A holding familiar
continua a oferecer vantagens importantes, como a centralização da gestão, a
proteção patrimonial (separando os ativos dos riscos da atividade empresarial
dos sócios) e a facilitação do planejamento sucessório, que permite a
transferência de cotas aos herdeiros de forma gradual e sem a necessidade de um
inventário judicial. No entanto, a dimensão da eficiência fiscal, que muitas vezes
era um dos principais atrativos, foi severamente comprometida.
O novo custo
tributário anual, como demonstrado na Tabela 2, pode anular ou até superar os
benefícios de economia com custas de inventário ou outras vantagens. A decisão
de constituir ou manter uma holding para abrigar bens de uso pessoal agora
envolve um cálculo complexo. É preciso ponderar se a economia futura com a
sucessão justifica o pagamento contínuo e substancial de IBS, CBS e IRPF. Em
muitos casos, a resposta pode ser negativa, forçando uma reconsideração
completa da estratégia.
Essa nova realidade
fiscal introduz um novo e crucial fator na avaliação de uma holding: o "arrasto
fiscal sobre ativos não produtivos" (Tax Drag on Non-Productive Assets). O
valor de uma holding não pode mais ser calculado simplesmente pelo valor de
mercado de seus ativos (Net Asset Value - NAV).
Um analista
financeiro, um potencial comprador ou mesmo um avaliador para fins de partilha
em inventário ou divórcio terá que ajustar esse valor para baixo. Um imóvel de
R$5.000.000 que gera uma despesa tributária anual de mais de R$150.000
(seguindo a lógica da Tabela 2) não vale mais os mesmos R$5.000.000 em termos
de valor econômico. O valor presente dessa futura e perpétua corrente de
passivos fiscais deve ser capitalizado e subtraído do valor do ativo. A
reforma, portanto, criou um passivo implícito e não contabilizado nos balanços
dessas empresas, afetando diretamente o valor líquido do patrimônio familiar e
sua capacidade de servir como garantia ou ser negociado.
A "Tempestade
Perfeita": Sinergia com as Mudanças no ITCMD
O impacto da
tributação sobre o uso de bens é potencializado por outra mudança crucial
imposta pela EC 132/2023: a obrigatoriedade de alíquotas progressivas para o
Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). Antes da reforma, cada
estado tinha autonomia para definir suas alíquotas, e muitos, como São Paulo,
adotavam uma alíquota fixa (4%, no caso paulista). A nova regra constitucional
força todos os estados a adotarem um sistema em que a alíquota aumenta conforme
o valor da herança ou doação, até o teto de 8% fixado por resolução do Senado.
Diversos estados já
se movimentam para se adequar, propondo novas tabelas progressivas que elevam a
carga tributária para patrimônios maiores. As famílias agora enfrentam um duplo
golpe:
Tributação sobre o
Uso: Um imposto anual e contínuo (IBS/CBS + IRPF) que corrói o valor do
patrimônio durante a vida do titular.
Tributação sobre a
Transferência: Um imposto único, porém mais elevado (ITCMD progressivo),
que incidirá sobre o patrimônio remanescente no momento da sucessão ou doação.
Essa combinação
torna o planejamento sucessório antecipado ainda mais crítico. A janela de
oportunidade para realizar doações ou estruturações sob as regras de ITCMD atuais
(em estados que ainda não implementaram a progressividade) está se fechando
rapidamente. A inércia resultará em uma dilapidação patrimonial
significativamente maior, tanto em vida quanto na morte.
O Fim do
Planejamento "Tamanho Único"
Uma das consequências
mais importantes deste novo cenário é a obsolescência de modelos padronizados e
soluções genéricas de planejamento patrimonial. A holding familiar "de
prateleira", que era frequentemente recomendada como uma solução universal,
tornou-se uma estrutura potencialmente perigosa se não for customizada para a
realidade específica de cada família.
A decisão de usar
uma holding, e como estruturá-la, agora depende de uma análise multifatorial: a
composição do patrimônio (bens de uso pessoal vs. ativos de renda), o perfil
dos herdeiros, os objetivos de liquidez da família, a residência fiscal das
partes envolvidas e a disposição para arcar com a complexidade administrativa
de estruturas mais formais. O planejamento patrimonial deixa de ser um produto
e se torna um processo contínuo de diagnóstico, estratégia e adaptação,
exigindo um nível de sofisticação técnica e de personalização muito superior ao
que era praticado anteriormente.
Estratégias
Proativas de Mitigação e Reestruturação
Diante da magnitude
dos novos riscos fiscais, a inércia não é uma estratégia viável. Famílias
detentoras de patrimônio e seus consultores devem adotar uma postura proativa,
iniciando com um diagnóstico preciso da situação atual e, em seguida, avaliando
um leque de alternativas jurídicas para mitigar ou eliminar a exposição
tributária.
A escolha da melhor
solução dependerá de uma análise cuidadosa dos custos, benefícios e
complexidades de cada caminho.
Estrutura para
Diagnóstico de Risco
O primeiro passo
para qualquer consultor é realizar um inventário detalhado da estrutura
existente, respondendo a um conjunto de perguntas críticas para mapear o nível
de risco:
Inventário de
Ativos: Quais ativos (imóveis, veículos, aeronaves, embarcações) de
propriedade da holding são utilizados para fins pessoais pelos sócios ou seus
familiares?
Identificação dos
Usuários: Quem são os indivíduos que utilizam esses ativos? Qual sua
relação com a sociedade e os sócios?
Formalização: Existe
algum documento que rege essa utilização (contrato de locação, comodato)? Os
termos desses documentos (especialmente o preço) são compatíveis com os
praticados pelo mercado?
Valoração: Qual
é o valor venal ou de mercado de cada um desses ativos? Qual seria o valor de
mercado de um aluguel ou cessão onerosa para cada um deles?
Análise de Fluxo de
Caixa: O usuário do bem possui renda própria e declarada suficiente para
arcar com um aluguel de mercado? A holding possui outras fontes de receita?
Com base nessas
respostas, é possível quantificar a exposição fiscal anual (IBS/CBS + IRPF) e
apresentar à família um panorama claro do custo de manter o status quo.
Análise de
Alternativas Jurídicas Viáveis
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Uma vez
diagnosticado o problema, é preciso explorar as soluções. As principais
alternativas, cada uma com suas vantagens e desvantagens, são as seguintes:
Formalização de um
Contrato de Locação: A solução mais direta é formalizar a relação entre a holding
e o usuário por meio de um contrato de locação, com aluguel estipulado em valor
de mercado.
Vantagens: Elimina
completamente a presunção de gratuidade, afastando tanto a incidência do
IBS/CBS sobre uma base ficta quanto a tributação da renda presumida (art. 41,
§1º) para a pessoa física. A relação se torna transparente e legalmente
defensável.
Desvantagens: Gera
uma obrigação de pagamento real para o usuário, que precisa ter fluxo de caixa
para arcar com o aluguel. A holding passará a ter receita de aluguel, que é
tributável (no sistema atual, por IRPJ, CSLL, PIS e COFINS; no futuro, pelo
IBS/CBS, embora com direito a créditos). Exige disciplina financeira e
administrativa para garantir os pagamentos mensais e as declarações fiscais
correspondentes.
Instituição de
Usufruto: Uma alternativa juridicamente mais sofisticada é reestruturar a
propriedade do bem. A família pode transferir para a holding apenas a
nua-propriedade do imóvel, enquanto o direito real de uso e fruição (usufruto)
é mantido em nome da pessoa física que o utilizará.
Vantagens: O
usufrutuário (a pessoa física) tem o direito legal de usar e gozar do bem,
então não há que se falar em "cessão gratuita por terceiro", o que, em tese,
neutraliza a aplicação do artigo 41 do RIR/2018. A holding, por ser mera
detentora da nua-propriedade, não tem o poder de "disponibilizar" o uso do bem,
o que pode afastar a incidência do IBS/CBS.
Desvantagens: A
instituição do usufruto, se feita de forma destacada da propriedade, é um ato de
doação e, portanto, fato gerador de ITCMD. A estrutura se torna mais rígida; a
venda do imóvel, por exemplo, exige o consentimento tanto do nu-proprietário
(holding) quanto do usufrutuário. A extinção do usufruto (normalmente pela
morte do usufrutuário) consolida a propriedade plena na holding, podendo
levantar novas questões fiscais no futuro.
Desincorporação do
Ativo: A solução mais drástica é retirar o bem da pessoa jurídica e
transferi-lo de volta para o patrimônio da pessoa física.
Vantagens: Resolve
o problema de forma definitiva para o futuro. O bem, agora em nome da pessoa
física, pode ser usado livremente sem qualquer implicação fiscal de IBS/CBS ou
renda presumida.
Desvantagens: A
transferência da PJ para a PF é um evento tributável. A operação deve ser
realizada pelo valor de mercado do bem. A diferença entre o valor de mercado e
o valor contábil do ativo na holding será considerada ganho de capital e
tributada por IRPJ e CSLL. Dependendo da valorização do imóvel ao longo dos
anos, esse custo de saída pode ser proibitivamente alto, tornando a solução
inviável.
Matriz de Decisão
Estratégica
A escolha entre as
alternativas não é simples e envolve a ponderação de múltiplos fatores. A
matriz abaixo oferece um framework para auxiliar nessa decisão.
Tabela 3: Matriz de
Decisão para Alternativas Estratégicas
|
Estratégia
|
Custo de
Implementação
|
Carga Tributária
Contínua
|
Segurança Jurídica
|
Flexibilidade
Sucessória
|
|
1. Manter como
está (Pagar Tributos)
|
Nulo
|
Muito Alta
(IBS/CBS + IRPF)
|
Muito Baixa (Risco
de autuação)
|
Alta
|
|
2. Contrato de
Locação
|
Baixo
|
Média (Tributos
sobre aluguel real)
|
Alta
|
Alta
|
|
3. Instituição de
Usufruto
|
Médio (ITCMD)
|
Baixa / Nula
|
Média (Tese a ser
testada)
|
Média (Engessa o
ativo)
|
|
4. Desincorporação
do Ativo
|
Muito Alto (Ganho
de Capital)
|
Nula
|
Muito Alta
|
Baixa (Retorna à
PF)
|
A matriz evidencia
que não existe uma "bala de prata". A decisão ótima será aquela que melhor se
alinha ao perfil de risco, à situação financeira e aos objetivos de longo prazo
de cada família. Para alguns, o custo de um contrato de aluguel formal será um
preço justo a pagar pela segurança jurídica. Para outros, com ativos de
altíssimo valor, o custo do ganho de capital na desincorporação pode ser
justificável para estancar a "sangria" fiscal anual. A análise criteriosa e a
consultoria especializada são indispensáveis para navegar por essas escolhas
complexas.
Conclusão e
Recomendações Finais
A Reforma
Tributária, ao instituir a tributação sobre a cessão gratuita de bens por
pessoas jurídicas e criar as condições para a fiscalização efetiva da renda
presumida para pessoas físicas, encerra de forma definitiva uma era de
informalidade tolerada no planejamento patrimonial brasileiro. A prática de
utilizar holdings familiares como meros repositórios de bens de uso pessoal,
sem uma contrapartida formal e a valor de mercado, tornou-se fiscalmente
insustentável. Esta mudança não é um ajuste técnico, mas uma redefinição
estrutural que força a profissionalização da gestão do patrimônio familiar.
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Nota M&M: A M&M Assessoria Contábil tem
expertise no planejamento e constituições de holding familiar com objetivos
de planejamento tributário, proteção patrimonial e planejamento sucessório.
Se desejar saber mais sobre os nossos serviços de atendimento a holding, contate-nos
pelo telefone/WhatsApp (51) 3349-5050 ou pelo e-mail: mm@mmcontabilidade.com.br
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A principal
conclusão deste relatório é que a inércia representa o maior risco. Ignorar as
novas regras não é uma estratégia, mas uma decisão passiva que levará a
passivos tributários significativos, contingências e, em última análise, à
destruição de valor. A combinação do IBS/CBS na pessoa jurídica com o IRPF na
pessoa física, somada à progressividade do ITCMD, exige uma postura ativa e
imediata por parte das famílias e de seus consultores. O momento de revisar,
diagnosticar e reestruturar é agora.
As recomendações
finais podem ser sintetizadas nos seguintes pontos:
Diagnóstico Imediato: Todas
as famílias com estruturas de holding devem realizar um inventário completo de
seus ativos e da forma como são utilizados, quantificando a exposição fiscal
sob as novas regras.
Abandono de Soluções
Padronizadas: O planejamento patrimonial deve ser altamente customizado. A
decisão de manter, criar ou extinguir uma holding, bem como a escolha de qual
estratégia de mitigação adotar (locação, usufruto, desincorporação), deve ser
baseada em uma análise aprofundada e multidisciplinar que considere os aspectos
fiscais, societários, sucessórios e familiares de cada caso.
Busca por
Transparência e Formalidade: O futuro do planejamento patrimonial no
Brasil reside em estruturas que sejam juridicamente robustas, fiscalmente transparentes
e operacionalmente formais. Relações entre sócios e empresas devem ser
documentadas por contratos com termos de mercado. A "confusão patrimonial" deve
ser ativamente evitada.
A holding familiar
não está extinta como ferramenta de planejamento, mas seu propósito e sua
gestão evoluíram. Ela se consolida como um instrumento de governança,
organização e sucessão, mas sua eficiência fiscal agora depende de uma
administração profissional e de uma adaptação inteligente ao novo ambiente
regulatório. A sobrevivência e o sucesso das estratégias de preservação de
legado dependerão, mais do que nunca, da capacidade de buscar aconselhamento
integrado (jurídico, tributário e contábil) e de tomar decisões estratégicas e
bem fundamentadas em um cenário de complexidade crescente.
Fonte: Jornal Contábil