De tempos em tempos,
deparamo-nos com atualizações sistêmicas no mercado a respeito de diversos
assuntos: na forma de pagamento; na forma de desenvolvimento de um produto ou
serviço; na forma de entrega; dentre tantas outras possibilidades. Se é bem
verdade dizer que para cada dia novas oportunidades surgem, é bem verdade dizer
também que, para cada novidade de mercado, uma nova lei surgirá.
A título de mero
exemplo, vale citar, no mercado da construção civil, a massificação do BIM (Building
Information Modeling), que se apresenta como um modelo de dados inteligente e
centralizado capaz de elencar cada detalhe de uma obra: desde a geometria até
as especificações de cada material, as quantidades, os fornecedores, os custos
e o cronograma de execução.
Vale dizer que a
adoção do BIM se apresenta como uma ferramenta de auditoria perfeita e em tempo
real.
Realidade brasileira
Em uma outra esfera,
em âmbito de fiscalização, operacionalização e, sobretudo, de regras
tributárias, deparamo-nos com a complexa realidade arrecadatória brasileira
(considerando as diversas diretrizes e exceções legais), as diferentes bases de
cálculo, alíquotas e regimes. Esse cenário complexo é um dos fatores de
distorção da real carga tributária e também, como consequência, dos resíduos tributários
em diversas cadeias de mercado.
No segmento da
construção civil, se por um lado (a título de exemplo) o ISS-empreitada, a
dedução de materiais e o Regime Especial de Tributação (RET) para incorporações
imobiliárias (com sua alíquota unificada de 4%) representam um modelo de
tributação relativamente simples e de baixa carga, por outro lado a falta de
transparência e a cumulatividade (de alguns tributos, alguns regimes) resultam
na concentração tributária de toda a cadeia produtiva (especialmente para
fábricas e indústrias).
E, tratando-se de
atualizações sistêmicas, a reforma tributária propõe uma mudança considerável
com a instituição do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) em um modelo dual
composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal,
e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre
estados e municípios.
Um dos principais
objetivos é a obtenção de um sistema mais neutro, transparente e não
cumulativo, capaz de remover (ou amenizar, para termos, os contribuintes,
alívio em possíveis decepções futuras) distorções tributárias e que proporcione
eficiência econômica.
Transição
A transição,
contudo, para esse novo modelo não será trivial, especialmente para um setor
com as particularidades da construção civil.
Sendo um dos setores
mais sensíveis aos tributos indiretos, a reforma representa uma mudança
estrutural na forma de calcular, recolher e creditar tributos. Os impactos vão
além da mera porcentagem de alíquotas: envolvem obrigações acessórias (como a
Declaração de Operações com Regimes Especiais - DERE), mecanismos de split
payment (pagamento dividido, que consiste na retenção e repasse direto do
valor dos tributos destacados na nota fiscal), notas de débito e crédito,
regras de apuração por empreendimento e grandes desafios no relacionamento
entre fornecedores e contratantes.
Pelas diretrizes da
Lei Complementar 214/2025, se em um aspecto desse segmento as receitas de obras
de construção civil, incorporações e parcelamentos do solo são tributadas pelo
IBS e pela CBS (artigo 252) e o fato gerador ocorre na alienação, locação ou
administração, por outro aspecto, quanto aos serviços de construção, o fato
gerador ocorrerá no fornecimento. Por outro lado, vale acrescentar que
não incidirão sobre permuta sem torna, constituição de garantias e fundos
patrimoniais.
A apuração será
feita por cada empreendimento, especificando-se o número de obra, que será
identificado na nota fiscal e centro de custo separado, correlacionado-o a um
CNPJ ou CPF, o que permitirá um rastreamento de créditos e débitos. Vale dizer,
ainda, que todos os insumos, materiais e serviços adquiridos para a execução da
obra gerarão créditos financeiros, permitindo compensação com débitos futuros.
O artigo 252, contudo, prevê restrições quando o contratante não for
contribuinte do regime regular (ex.: pessoa física), limitando a apropriação de
créditos ao valor do débito da operação.
A LC 214/25 prevê
uma alíquota de referência de 26,5% para o IVA (17,7 % IBS e 8,8 % CBS). Para a
construção civil, contudo, a alíquota é reduzida em 50%, de forma que
alienações, construções e serviços similares pagam cerca de 13,25%, enquanto
que operações de locação sofrem redução de 70% (cerca de 7,95%). Essa diferença
busca compensar a exigência de capital de giro e o fato de que boa parte da
receita de obra corresponde à mão-de-obra (que não fornece crédito).
Materiais
incorporados e créditos
Uma questão de
destaque é a dedução dos materiais aplicados na obra. A distinção entre insumos
creditáveis e não creditáveis, além do recorte temporal do redutor, criará um
ambiente controverso. Isso porque o "redutor de ajuste" pode incluir o custo
dos bens e serviços adquiridos até o final de 2026 (obras em andamento), de
modo que esses valores reduzam a base da alienação futura e não gerem novos
créditos; por outro lado, assegurar-se-á que créditos de IBS e CBS pagos na
aquisição de bens e serviços possam ser compensados na apuração do
contribuinte.
A situação pode
comprometer a neutralidade do novo sistema, pois materiais adquiridos a partir
de 2027 por contribuintes regulares gerarão crédito, enquanto aqueles
incorporados em obras iniciadas antes da vigência do IVA integrarão o redutor
de ajuste e não gerarão novo crédito.
Vale relembrar uma
antiga discussão: a possibilidade de se deduzir da base do ISS o valor de
materiais adquiridos de terceiros com ICMS destacado, para evitar bitributação.
Esse entendimento foi revisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no
julgamento AgInt no AREsp 2.486.358/SP (maio de 2024). O entendimento firmado é
o de que somente os materiais produzidos pelo próprio prestador, fornecidos
fora do local da obra e com incidência de ICMS, podem ser deduzidos da base de
cálculo do ISS.
Materiais comprados
de terceiros deixam de ser dedutíveis, mesmo que haja ICMS na nota, e a base do
ISS passa a ser o preço integral do serviço.
A consolidação desse
entendimento é relevante por dois motivos: ela mostra como o Judiciário vem
restringindo deduções no regime atual (ISS), prenunciando debates sobre o
redutor de ajuste e a dedução de materiais no IVA; e o montante arrecadado de
ISS de 2019 a 2026 será critério de distribuição do futuro IBS, conforme a EC
132/2023.
Ajustes contratuais
e de gestão
No curto prazo,
construtoras e incorporadoras precisarão revisar contratos, atualizar sistemas
e reorganizar seus controles por empreendimento. A apuração por obra e a
integração com o DTE, a DERE, o split payment e as novas notas de
crédito/débito exigem investimentos em tecnologia e coordenação entre fiscal,
contabilidade e financeiro, além de auxílio da perspectiva jurídica.
A transição exige
revisar contratos e sistemas, que necessitarão de cláusulas para:
Reajustes
paramétricos com índices como INCC, CUB e variação cambial, refletindo
alterações no custo e nas alíquotas durante a transição;
Alocação de
responsabilidade por notas de débito e crédito, determinando quem emite e em
quais prazos, com mecanismos de aceite e penalidades por glosa;
Sincronização de
marcos de medição com a emissão da NF-e;
Impugnação do valor
de referência, quando houver divergência entre o valor de mercado e o valor
fixado pelo Fisco.
Conclusão
O fato é que a LC
214/25 representa uma mudança profunda na tributação da construção civil. No
médio prazo, a efetividade da reforma dependerá da regulamentação detalhada
(como o PLP 108/2024, que trata do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e
Serviços (CG-IBS) e estabelece normas gerenciar e administrar esse novo
tributo) e da capacidade dos entes federativos de harmonizar alíquotas e
procedimentos. A existência de redutores e a possibilidade de impugnar valores
de referência oferecem instrumentos para calibrar a carga tributária e corrigir
distorções, mas também podem gerar litígios.
Tais controvérsias
moldarão muitos mercados, inclusive quanto às reflexões sobre cada modelo de
negócios. Isso porque a necessidade de uma gestão mais eficiente dos créditos
tributários, a adaptação às novas obrigações acessórias e a adequação aos novos
sistemas de controle exigirão uma reestruturação profunda das empresas.
A busca pela
formalização da cadeia produtiva, incentivada pela reforma, é um passo
positivo, mas que também demandará um esforço de adaptação por parte de todos
os elos da cadeia.
A adaptação a esse
novo cenário exigirá mais do que apenas ajustes contábeis: será necessária uma
reavaliação jurídico-estratégica, um investimento em tecnologia, capacitação e
acompanhamento atento da evolução da legislação e da jurisprudência.
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Autor: Fábio César Costa Júnior. É advogado, graduado
pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Direito Tributário e
Contabilidade Fiscal pela Faculdade Brasileira de Tributação (FBT) e membro da
Comissão de Assuntos Tributários da OAB-DF.