Automação poderá
extinguir certas formas de trabalho e criar outras
Um
dos temas de maior preocupação nas discussões sobre Inteligência Artificial
(IA) são os impactos que a tecnologia pode ter nas atividades profissionais.
Pesquisas apontam para previsões e tendências diversas, desde as que indicam
riscos de substituições de muitos postos de trabalho a outras que defendem um
efeito positivo com a criação de novas ocupações. Em meio às divergências,
ganha força o consenso de que se para o bem ou para o mal, a IA mudará parte
das profissões como as conhecemos e demandará a requalificação dos
trabalhadores.
As
análises variam e tratam também do emprego da inteligência artificial combinada
com outras tecnologias como automação. Na adoção de IA nas atividades
econômicas, uma das aplicações intimamente relacionadas é a robótica. Embora
nem toda máquina deste tipo funcione com um sistema inteligente, os dois
domínios tecnológicos vêm crescendo e sendo empregados de forma articulada,
especialmente nas linhas de montagem na indústria.
Essa
atuação conjunta é impulsionada pelo aumento do número de robôs. Segundo a
federação internacional da área, entre 2012 e 2018, o número de unidades
fabricadas anualmente quase triplicou, saindo de 150 mil para 430 mil ao longo
do período.
As
previsões sobre o potencial da inteligência artificial e de tecnologias
associadas sobre os empregos variam bastante conforme os estudos. Um dos mais
notórios, dos pesquisadores Carl Frey e Michael Osbourne, divulgado em 2013,
apontava 47% dos empregos nos Estados Unidos como passíveis de substituição por
máquinas inteligentes. Outro estudo, dos pesquisadores Melanie Arntz, Terry Gregory
e Ulrich Zierahn ,em 2016, estimou que o potencial de substituição seria de
apenas 9%.
Relatório
da consultoria McKinsey de junho de 2019 estima um equilíbrio no saldo de
empregos até 2030, com perdas de 20% e ganhos na mesma proporção, com pequenas
variações. Contudo, se a diferença nominal não se alterar, as mudanças devem
ser robustas. Entre 40 e 160 milhões de mulheres e 60 e 275 milhões de homens
podem ter que mudar de ocupação.
Outro
estudo da consultoria, ouvindo gestores de diversos países em novembro de 2019,
identificou uma previsão maior de redução (34%) do que ampliação (21%) dos seus
postos de trabalho na estimativa desses empresários. Outros 28% preveem uma
alteração não muito representativa (com variação de cerca de 3%).
Em
relatório de 2018, o Fórum Econômico Mundial, apoiador dos aspectos positivos
do que chama de 4a Revolução Industrial, pontua a inteligência artificial como
um dos quatro fatores de mudança do trabalho - além da conectividade móvel,
coleta massiva de dados e computação em nuvem.
Metade
dos empresários ouvidos no documento previu mais perdas do que ganhos em número
de empregos. Enquanto em 2018 a proporção em tarefas humanas e desempenhadas
por máquinas era de 71% para 29%, a expectativa era que em 2022 essa diferença
caísse para 58% a 42%. Mas na projeção consolidada as transformações ensejariam
um saldo positivo até 2022 de 58 milhões de postos de trabalho.
A
inteligência artificial traz soluções para os labores mais complexos,
potencializando a adoção de soluções automatizadas. A capacidade de processar
dados permite a entrada em áreas onde hoje predomina a atividade humana, como
realização de diagnósticos, elaboração de textos, relação com clientes e
operacionalização de vendas ou transações financeiras. As ocupações mais
suscetíveis são aquelas de tarefas de rotina tanto físicas quanto cognitivas.
Já
atividades que demandam formas mais complexas de juízo e decisão são mais
desafiadoras. Mas a medida que o desenvolvimento da tecnologia evolua no
sentido da aproximação de habilidades intelectuais humanas (como avaliação ou
tomada de decisão), os sistemas podem adquirir capacidade de substituir tarefas
mais complexas. Conforme o relatório da McKninsey, as atividades com maior
risco de substituição serão trabalhadores de serviços (30%), operadores de
máquinas (40%). Já os ganhos maiores devem ocorrer nas áreas de saúde (25%) e
manufatura (25%).
Já
de acordo com o relatório de 2019 da consultoria, no segmento de transporte e
logística, 19% dos ouvidos previram uma diminuição acima de 10% dos empregos, e
25% dos entrevistados indicaram uma queda entre 3% e 10%. No setor de
telecomunicações, os percentuais ficaram em 18% e 37%; e no automotivo, em 18%
e 28%. Já os com prospecto otimista são os de infraestrutura, serviços profissionais
e alta tecnologia.
Entre
os otimistas, as previsões de substituição são exageradas. "Até agora, as
conversas sobre o impacto da inteligência artificial em empregos, e na economia
mais largamente, é dominada por comentários alarmistas. Essas discussões
precisam ser baseadas em fatos e medidas", argumentou o principal economista da
maior rede social profissional do mundo, o Linkedin, em entrevista ao AI Index.
"Vamos
conseguir automatizar vários processos manualmente. A maioria do que realizamos
hoje, até mesmo de call center, serão passíveis de automatização. Na facilidade
que ele traz para o mundo, reduzindo todas as atividades que são feitas, vai
gerar uma revolução na forma como trabalhamos", avalia o cientista de dados da
startup Semantix Alexandre Lopes.
Em
palestra na 5ª Semana de Inovação do governo federal, promovida em novembro de
2019, no Brasil, o autor de livros de sucesso, como "Homo Deus: uma Breve
História do Amanhã", e professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Yuval
Noah Harari, alertou para o desafio diante das mudanças nos empregos causada
pela inteligência artificial.
"Trabalhos
que são feitos hoje vão desaparecer ou mudar e outros novos vão emergir. Mas
não sabemos se os novos serão suficientes e é um problema retreinar pessoas
para os novos trabalhos. Se você é caminhoneiro e perde seu emprego para um
veículo automático, como uma pessoa de 45 anos se reinventa como professor de
ioga ou engenheiro de software? Mesmo que você faça isso, não será uma solução
de longo termo", ponderou.
O
pesquisador da Fundação Konrad Adenauer e autor de livros sobre o tema Eduardo
Magrani reforça essa preocupação. O avanço da inteligência artificial ao mesmo
tempo que pode proporcionar um ganho econômico oferece risco de substituição de
homens por máquinas. O problema da empregabilidade gera necessidade imediata de
plano de ação pelos Estados para que faça trabalho de formação para empregos do
futuro de modo que não seja só ameaça e que pessoas consigam se requalificar
para trabalhar juntos", defende.
Impactos
econômicos
O
avanço da inteligência artificial está relacionado ao seu potencial de promoção
de ganhos econômicos. O levantamento da McKinsey de novembro de 2019 apontou
que 63% dos ouvidos relataram algum ganho econômico com a aplicação de IA.
Esses efeitos foram sentidos sobretudo nas áreas de marketing e vendas,
desenvolvimento de produto e cadeia produtiva. Já a redução de custos ocorreu
sobretudo na manufatura, nos recursos humanos e nas cadeias produtivas. Dos que
adotaram soluções em IA, 74% disseram ter intenção de utilizar mais a
tecnologia.
Os
setores empresariais com maior incorporação de inteligência artificial em seus
procedimentos são os de alta tecnologia (78%), automotivo (76%),
telecomunicações (72%), transporte e viagens (64%) e finanças (62%). O maior
crescimento entre 2018 e 2019 foi registrado nos segmentos de varejo (35%),
transporte e viagens (26%), alta tecnologia (17%) e energia (16%).
Esses
setores fazem usos diversos. Enquanto as companhias de alta tecnologia e telecomunicações
tiveram maior implantação de soluções em aprendizagem de máquina, no setor
automotivo e nos bens embalados a opção mais frequente foram os robôs físicos.
Na saúde, as aplicações mais populares foram as de visão computacional (como as
empregadas na leitura de exames), enquanto nas finanças proliferaram mais
rapidamente iniciativas de automação de processos.
No
Brasil, por exemplo, a Gerdau implementou o que chama de controle de desempenho
de mil equipamentos em diversas plantas distribuídas no país em tempo real por
meio de 40 mil sensores instalados. Baseada em inteligência artificial, essa
tecnologia ajuda a identificar falhas nas máquinas. De acordo com a assessoria
do grupo, a expectativa é que o emprego dessa solução técnica possa elevar a vida
útil dos equipamentos em 20%.
Empresas
de fabricação de bens embalados relataram o emprego de robôs para parte das
atividades. Operadoras de telecomunicações vêm adotando agentes virtuais para
relação com clientes, substituindo atendentes nos serviços de relação com
clientes.
O
levantamento encontrou uma distância grande entre o que chamou de principais
adotantes de IA e demais setores. No alinhamento da estratégia para a
tecnologia com a do restante da firma, 72% do primeiro grupo responderam
positivamente, contra 15% do segundo grupo. Na promoção de treinamento em IA, a
diferença foi de 35% a 10%.
Habilidades
Conforme
relatório do Fórum Econômico Mundial de 2018, a estabilidade em habilidades
deve ficar na casa dos 58% em 2022, com outros 42% demandando requalificação.
No total, 54% dos trabalhadores deve desenvolver novas habilidades, sendo 35%
com treinamento mínimo de seis meses, 9% de seis a 12 meses, e 10% de mais de
um ano. "A importância das habilidades como design tecnológico e programação
ressaltam a demanda por tipos diferentes de competências tecnológicas", pontua
o documento.
A
plataforma profissional Linkedin elaborou um levantamento no qual mapeia
habilidades de inteligência artificial em diversas ocupações. Um primeiro grupo
de habilidades compreende aquelas pessoas que trabalharão no desenvolvimento de
soluções de IA. O Índice Global de Competitividade de Talentos 2020 (GCTI), da
organização INSEAD, identifica outros dois grupos de habilidades necessárias,
um que será aplicado nos ambientes de trabalho e demandará a requalificação
para lidar com soluções técnicas deste tipo, e outro dos trabalhadores que
passarão a ter suas carreiras, admissões e demissões analisadas por sistemas
inteligentes.
Entre
os que postulam uma visão mais otimista do impacto da IA no trabalho, a
adaptação dos trabalhadores envolveria a aquisição de habilidades híbridas.
Paul Daugherty e James Wilson, autores do livro Humano + Máquina, elencam
algumas delas, como trabalhar o tempo sob perspectiva humana, a integração das
decisões prevalecendo a do indivíduo, identificação de formas de potencializar
a ajuda das máquinas, aproveitamento dos dispositivos como extensões do corpo e
estímulo ao aprendizado dos sistemas.
Desenvolvedores
de inteligência artificial
O
trabalho em IA vem crescendo em alguns países. O Brasil mais do que dobrou o
número de contratação em relação a 2015. Nos Estados Unidos, o percentual sobre
o total de empregos anunciados online saiu de 0.7% em 2010 para 0,28%. No caso
de aprendizagem de máquina, o índice saiu do mesmo patamar inicial uma década
atrás para 0,5%. O crescimento vem se dando sobretudo nas áreas de alta
tecnologia (como o da informação), finanças e seguros, indústria e suporte à
gestão de recursos.
Uma
das preocupações com o trabalho em inteligência artificial envolve a crescente
demanda e o deficit atual desses profissionais. Na Europa, o cálculo era que
faltavam 600 mil trabalhadores em carreiras relacionadas a tecnologias da
informação e comunicação. Há, também, uma disputa pelos talentos. Levantamento
da União Europeia identificou 240 profissionais de países do bloco no Vale do
Silício, principal sede de empresas de tecnologia dos Estados Unidos.
Fonte:
EBC