A reforma
tributária virou o jogo. O ITCMD agora pega seu patrimônio e herdeiros no
exterior. Trusts e offshores sob novo escrutínio. Entenda o risco e a janela de
oportunidade.
Por muito tempo, o planejamento sucessório
de grandes fortunas no Brasil se dividiu em duas estratégias principais: as
soluções domésticas (como as holdings familiares) e as internacionais (como
trusts e fundações em jurisdições mais amigáveis). Acreditava-se que, ao tirar
o patrimônio do solo brasileiro e colocá-lo em estruturas offshore, ele
estaria, em grande parte, blindado das intempéries fiscais e sucessórias
nacionais, especialmente do ITCMD - Imposto sobre Transmissão Causa
Mortis e Doação.
Essa crença, confortável para muitos, acaba
de receber um golpe da reforma tributária.
A EC 132/23, embora focada principalmente
na tributação do consumo, trouxe em sua esteira uma alteração fundamental no
Art. 155, § 1º, inciso III da Constituição Federal. Essa mudança, que pode
parecer uma nota de rodapé para os desatentos, é na verdade uma alteração
importante no mundo de planejamento sucessório internacional. Ela não
apenas tornou obrigatória a progressividade do ITCMD, como estabeleceu, de
forma inequívoca, a competência do Estado para instituir o imposto sobre
bens móveis, títulos e créditos situados no exterior.
O recado é claro: seu patrimônio global
está agora sob o poder do fisco estadual brasileiro. O que antes era uma
"área cinzenta" da legislação, onde a jurisprudência oscilava, agora
é uma certeza imposta pela reforma tributária.
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A nova realidade do ITCMD
pós-reforma.
Vamos verificar a essência da mudança
trazida pela reforma tributária no âmbito do ITCMD:
ITCMD sobre bens no exterior: Se o
doador tiver domicílio no Brasil e o bem for no exterior, o imposto será devido
ao Estado do domicílio do doador. Se o de cujus (falecido) tinha domicílio no
Brasil e deixou bens no exterior, o ITCMD será devido ao Estado do domicílio do
falecido. Isso encerra o debate jurídico sobre a constitucionalidade da
cobrança do imposto sobre heranças e doações de bens localizados fora do país.
É uma pá de cal em teses defensivas que vigoravam há décadas.
Progressividade: Todos os Estados
agora são obrigados a adotar uma tabela progressiva para o ITCMD, ou seja,
quanto maior o valor da herança ou doação, maior a alíquota. Embora a alíquota
máxima ainda seja limitada a 8% por Resolução do Senado, a tendência, alimentada
pela nova sede arrecadatória dos Estados, é que essa alíquota máxima seja
aplicada com mais rigor e, futuramente, haja pressão para que o próprio limite
de 8% seja revisto para cima, seguindo padrões internacionais que chegam a 20%,
30% ou mais.
Para famílias com patrimônio significativo
e, principalmente, com parte desses ativos (ou os próprios herdeiros) residindo
no exterior, a reforma tributária abriu uma nova frente de risco. A
estratégia de "internacionalizar" o patrimônio para escapar do ITCMD
brasileiro perdeu grande parte de sua eficácia.
O redesenho das estruturas
internacionais: Trusts, PICs e fundações.
As estruturas internacionais,
como Trusts, PICs - Private Investment Companies
e fundações de interesse privado, sempre foram ferramentas poderosas para
gestão, proteção e sucessão de patrimônio. Elas ofereciam discrição,
flexibilidade e, muitas vezes, uma considerável otimização fiscal.
A reforma tributária não as torna
ilegais ou inúteis, mas muda a forma como elas devem ser concebidas e geridas:
Transparência: Com o crescente
intercâmbio de informações fiscais entre países (CRS, FATCA) e a recente lei
14.754/23 (que tributa ativos offshore), a era do "segredo bancário"
e do anonimato fiscal para brasileiros acabou. Tentar esconder patrimônio no
exterior é uma rota para problemas graves.
A "natureza" do Trust: Um
trust, se bem estruturado (especialmente o irrevogável e discricionário), ainda
pode ser uma ferramenta robusta para segregação patrimonial e governança sucessória,
dificultando (mas não eliminando) a cobrança do ITCMD. O debate agora se move
para se o trust é uma "doação" (passível de ITCMD) ou um simples
contrato, ou se o patrimônio transferido ainda pertence, de alguma forma, ao
instituidor. A discussão jurídica será intensa.
PICs e fundações: Empresas offshore
(PICs) que detêm ativos, e fundações, continuarão a ser veículos válidos para
gestão. O desafio será na transferência das cotas ou dos direitos sobre essas
entidades. A reforma tributária exigirá que a sucessão dessas
estruturas seja transparente e, muito provavelmente, sujeita ao ITCMD
brasileiro se o instituidor/falecido for domiciliado no país.
Alternativas inteligentes em um
ambiente hostil: Criatividade.
O aumento da carga tributária sobre a
sucessão é um convite à engenharia legal. Se o Estado fecha uma porta, o
mercado tenta abrir outras.
Seguros de vida resgatáveis e
previdência privada (PGBL/VGBL): Estes instrumentos, por suas
características jurídicas, geralmente escapam da incidência do ITCMD. Ganham,
portanto, um destaque ainda maior no planejamento sucessório, como forma de
transferir liquidez sem o ônus do imposto sobre herança.
Novas configurações de offshores com
"controle disfarçado": A busca por estruturas onde o
controle formal não recaia sobre o instituidor ou seus herdeiros diretos, mas
sim sobre trustees ou gestores profissionais em jurisdições de baixo ou zero
ITCMD, pode se intensificar. Isso requer um nível de sofisticação e de desapego
ao controle direto que poucos estão dispostos a aceitar, e está sob forte
escrutínio das autoridades fiscais.
Criptoativos como meio de
transferência: Embora
não sejam uma solução para o ITCMD em si (o valor do ativo cripto transferido
por herança/doação continua sujeito ao imposto), a fluidez e a (pseudo)
anonimidade das transferências de criptoativos podem ser utilizadas para
reorganizações patrimoniais que, em um primeiro momento, escapam dos mecanismos
de rastreamento tradicionais, mas não da obrigação fiscal. Isso, claro, em uma
zona de altíssimo risco legal e reputacional.
Advertência: É bom reiterar
que a reforma tributária e as leis que a complementam visam aumentar
a transparência e a arrecadação. Qualquer tentativa de evasão ou simulação
fiscal, especialmente no contexto internacional, é um caminho que pode trazer
consequências ruins. Esteja amparado por bons profissionais.
Conclusão: uma janela fechada, outras
se abrindo para quem agir rápido...
A reforma tributária encerrou a
era da "escapatória" do ITCMD para o patrimônio internacional. A
partir de agora, a sucessão de bens no exterior será, invariavelmente, um ponto
de atenção fiscal no Brasil.
Para o C-Level e famílias com
patrimônio global, sugerimos:
Revisão imediata de estruturas
internacionais: Se
você tem um trust, PIC ou fundação, sua estrutura precisa ser auditada. Ela
está alinhada com as novas regras da reforma tributária e da lei
14.754/23? Sua constituição resiste a um questionamento do Fisco?
Modelagem e cenarização: Simule o
impacto do ITCMD (considerando a progressividade e o potencial aumento futuro)
sobre seu patrimônio global. Qual o custo real dessa transmissão?
Explore soluções legais otimizadas: A busca por
instrumentos como seguros de vida e previdência privada ganha força. A consultoria
especializada será crucial para redesenhar seu plano sucessório, maximizando a
proteção e a eficiência fiscal dentro dos limites da lei.
A reforma
tributária redefiniu as regras do jogo. A ignorância ou a
inação podem significar um complicador no seu legado programado. O tempo de
agir é agora, com a clareza e a expertise de quem entende o novo cenário
global.
Autor:
Lucas Pereira Santos Parreira. Sócio no Escritório Rosenthal e Sarfatis
Metta Advogados Associados. Mestre em Direito Empresarial e Especialista em
Direito Tributário, Direito Civil e Direito Contratual.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/depeso/443150/reforma-tributaria-itcmd-ameaca-heranca-global