Regra de transição
do PL 1087 gera insegurança jurídica e exige deliberação urgente de
dividendos até o final de 2025
A
reforma da renda no Brasil, materializada pelo PL 1.087/2025, representa uma
mudança estrutural na tributação nacional, com foco na reintrodução da tributação
de lucros e dividendos e na criação de um Imposto de Renda das Pessoas Físicas
Mínimo (IRPFM).
Diante
desse cenário, mostra-se necessário analisar os principais desafios e
implicações dessa nova legislação, que promete reconfigurar as estratégias
financeiras e societárias de empresas e indivíduos de alta renda a partir de 1º
de janeiro de 2026.
O mosaico legislativo: contexto e dispositivos-chave do
PL 1.087/2025
A
proposta do Poder Executivo, aprovada pelo Congresso Nacional, visa
essencialmente dois objetivos principais: aliviar a carga tributária dos
rendimentos mais baixos e aumentar a progressividade do sistema sobre as altas
rendas. A alteração das Leis nº 9.250, de 1995 (IRPF) e nº 9.249, de 1995
(IRPJ) é o instrumento para alcançar essa dualidade.
No
cerne da discussão, encontra-se a reintrodução da tributação sobre lucros e
dividendos. Conforme o texto aprovado, o Art. 10, §4º, da Lei nº 9.249/1995
passará a prever que: "Os
lucros ou dividendos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos ao
exterior ficarão sujeitos à incidência do Imposto de Renda na fonte à alíquota
de 10% (dez por cento)."
Além
disso, para os beneficiários pessoas físicas residentes no Brasil, o PL insere
o Art. 6º-A na Lei nº 9.250/1995, estabelecendo que: "A partir do mês de janeiro do
ano-calendário de 2026, o pagamento, o creditamento, o emprego ou a entrega de
lucros e dividendos por uma mesma pessoa jurídica a uma mesma pessoa física
residente no Brasil em montante superior a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)
em um mesmo mês fica sujeito à retenção na fonte do imposto de renda das
pessoas físicas à alíquota de 10% (dez por cento) sobre o total do valor pago,
creditado, empregado ou entregue."
Além
da retenção na fonte mensal, o PL 1.087/2025 institui o Imposto de Renda das
Pessoas Físicas Mínimo (IRPFM), conforme detalhado no Art. 16-A da Lei nº
9.250/1995. A partir do exercício de 2027 (ano-calendário de 2026), pessoas
físicas com rendimentos anuais superiores a R$ 600.000,00 estarão sujeitas a
essa tributação mínima, com alíquotas progressivas: de 0% a 10% para
rendimentos entre R$ 600.000,00 e R$ 1.200.000,00, e fixada em 10% para
rendimentos iguais ou superiores a R$ 1.200.000,00.
A
base de cálculo do IRPFM é abrangente, incluindo todos os rendimentos, mesmo
aqueles tributados de forma exclusiva ou definitiva, e os isentos ou sujeitos a
alíquota zero ou reduzida. Contudo, há exclusões notáveis, tais como:
- Ganhos de capital (exceto operações em bolsa ou balcão
organizado sujeitas a tributação com base no ganho líquido no Brasil).
- Valores recebidos por doação em adiantamento da
legítima ou herança.
- Rendimentos auferidos em contas de depósitos de
poupança.
- Remuneração produzida por diversos títulos e valores mobiliários
de fomento (LCI, CRI, CDA, LCA, CRA, LIG, LCD, títulos relacionados a
projetos de infraestrutura, entre outros).
- Rendimentos distribuídos por Fundos de Investimento
Imobiliário e Fiagro (com cotas negociadas em bolsa e no mínimo 100
cotistas).
- Valores recebidos a título de indenização por acidente
de trabalho, por danos materiais, inclusive corporais,
ou morais, ressalvados os lucros cessantes. Obs.: Esta última exclusão foi
um dos pontos aprimorados por emenda de redação aprovada no Senado Federal
(Emenda nº 138-CAE, art. 16-A, § 1º, IX, da Lei nº 9.250/1995).
Para
mitigar a excessiva oneração, o Art. 16-B da Lei nº 9.250/1995 prevê um
"redutor". Este mecanismo será aplicado caso a soma da alíquota
efetiva de tributação da pessoa jurídica com a alíquota efetiva da tributação
mínima do IRPF ultrapasse limites específicos (34% para empresas não
financeiras; 40% ou 45% para financeiras, dependendo do caso), sendo concedido
sobre os lucros e dividendos distribuídos à pessoa física.
Aspectos
societários: redefinindo as políticas de distribuição
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A
introdução da tributação de dividendos e do IRPFM impõe uma reavaliação
estratégica das políticas de distribuição de lucros das empresas. A retenção de
até 10% na fonte sobre pagamentos mensais de dividendos acima de R$ 50.000,00
para pessoas físicas residentes (Art. 6º-A, Lei nº 9.250/1995) gera novas
obrigações acessórias e impacta diretamente o fluxo de caixa dos sócios e
acionistas.
Um
dos pontos mais sensíveis e amplamente debatidos, inclusive por diversos
especialistas e advogados tributaristas, diz respeito à regra de transição para os lucros
apurados até 31 de dezembro de 2025. O texto original do PL, e
que foi mantido pelo Senado Federal, estabelece que esses lucros serão isentos
da nova tributação se (i) a distribuição for aprovada até 31 de dezembro de
2025 e (ii) os dividendos forem pagos até 31 de dezembro de 2028 (Art. 16-A,
§1º, XII, da Lei nº 9.250/1995 e Art. 10, §5º, I, da Lei nº 9.249/1995).
Essa
exigência temporal é de difícil aplicação prática. A Lei das Sociedades por
Ações (Lei nº 6.404/1976) prevê, em seu art. 132, que as empresas têm até
quatro meses após o encerramento do exercício social (ou seja, até abril de
2026, no caso dos lucros de 2025), para aprovar as contas e deliberar sobre a
destinação dos resultados. Deliberar sobre lucros de 2025 ainda em 2025,
portanto antes do fechamento contábil consolidado, contraria a sistemática
societária e as práticas empresariais usuais.
Mesmo
ciente dessa fragilidade, o Senado decidiu manter o texto original para não
atrasar a sanção da lei e garantir sua vigência a partir de 1º de janeiro de
2026, em observância ao princípio da anterioridade tributária anual. A promessa
é que futuros aprimoramentos, incluindo a revisão dessa regra de transição,
sejam discutidos em um novo projeto de lei.
Apesar
disso, quem esperar pela assembleia de 2026, para deliberar sobre os lucros de
2025, perderá o benefício da regra de transição. A alternativa é aprovar, até
31 de dezembro de 2025, a distribuição de um montante prudente de lucros
acumulados, baseado em projeções seguras e nas demonstrações parciais do
exercício.
Essa
cautela é essencial porque a distribuição de valores superiores ao lucro
efetivamente apurado configura pagamento indevido de dividendos, sujeitando os
sócios à obrigação de restituição e à responsabilidade solidária por eventuais
prejuízos. Em síntese, recomenda-se que a deliberação até o final de 2025 seja
fundamentada em estimativas conservadoras, de modo a assegurar o aproveitamento
da isenção sem comprometer a integridade societária e contábil.
Para
além da decisão pontual sobre quanto distribuir ainda em 2025, o novo modelo de
tributação projeta um desafio estrutural para os próximos anos: o desenho
societário passa a ocupar o centro da conversa.
Estruturas
com holdings bem definidas, separando sociedades operacionais de sociedades de
participação, permitem maior controle sobre o fluxo de resultados, a política
de reservas e a forma de remuneração de sócios e gestores. Em vez de apenas
decidir "quanto" distribuir, será cada vez mais relevante decidir "por onde" e
"de que modo" esses resultados circularão dentro do grupo societário ao longo
dos exercícios futuros.
De
maneira tão sensível quanto pouco debatida, um arranjo societário mais
profissional pode, em determinados casos, influenciar a forma como os efeitos
econômicos da tributação de dividendos serão percebidos a partir de 2026,
sempre com substância real nas atividades do grupo.
A
concentração, na holding, de dispêndios legítimos ligados à administração e
coordenação dos negócios - como custos de gestão, governança e assessorias
especializadas - tende a profissionalizar a estrutura e, ao mesmo tempo,
repercutir no montante de lucros efetivamente disponíveis para distribuição
diretamente às pessoas físicas. Em outras palavras, a forma como o grupo
reorganizar suas sociedades diante da reforma poderá, ao longo do tempo, fazer
diferença concreta na experiência prática dessa nova tributação.
Aspectos fiscais e
riscos de contencioso
Do
ponto de vista fiscal, o PL 1.087/2025 visa claramente aumentar a arrecadação e
a progressividade. A Receita Federal projeta um aumento de R$ 8,9 bilhões em
2026, principalmente com a tributação de dividendos remetidos ao exterior (Nota
Técnica CETAD/COEST nº 023/2025).
No
entanto, a complexidade da nova estrutura e os prazos apertados abrem caminho
para diversos riscos e potenciais contenciosos:
1.
Questionamento da Regra de Transição para Lucros de 2025: A "inviabilidade" da deliberação até 31 de
dezembro de 2025, combinada com o princípio da irretroatividade das leis
tributárias, que impede a cobrança de tributos sobre fatos geradores anteriores
à vigência da lei, certamente será um terreno fértil para discussões judiciais.
Contribuintes podem argumentar que lucros gerados em 2025, sob a isenção, não
poderiam ser tributados pela nova lei, independentemente da data de deliberação
ou pagamento.
2.
Bitributação e o "Redutor": Embora o Art. 16-B da Lei nº 9.250/1995 preveja um
"redutor", a metodologia de cálculo da "alíquota efetiva de
tributação dos lucros da pessoa jurídica" e sua aplicação são complexas.
Disputas sobre os parâmetros e a correta aplicação do redutor podem surgir,
especialmente em empresas com estruturas societárias complexas ou regimes
tributários específicos.
3.
Hibridismo IRPFM e Risco de DDL:
A natureza "híbrida" do IRPFM, que combina elementos do IRPJ (lucro
contábil) e do IRPF (rendimentos recebidos), pode gerar distorções e
dificuldades de conciliação. A reintrodução da tributação de dividendos também
aumenta o risco de autuações por Distribuição Disfarçada de Lucros (DDL). A
Receita Federal historicamente monitora vantagens concedidas a sócios sem
justificativa de mercado, e o novo cenário pode intensificar a fiscalização,
exigindo maior rigor na comprovação da natureza e finalidade de pagamentos e
benefícios.
4.
Impacto em PMEs e Profissionais Liberais: Apesar de a tributação mínima ser para "altas
rendas", a ampla base de cálculo do IRPFM, que inclui rendimentos isentos,
pode afetar profissionais liberais que atuam como pessoa jurídica e distribuem
lucros, ou pequenas e médias empresas. Emendas que visavam isentar lucros
distribuídos por empresas do Simples Nacional ou por sociedades de prestação de
serviços profissionais (como advogados e médicos) foram rejeitadas pelo Senado
para não atrasar a tramitação do PL.
5.
Atratividade para Investimento Estrangeiro: A tributação de 10% sobre dividendos remetidos ao
exterior, embora alinhada a práticas internacionais, pode afetar a percepção de
competitividade do Brasil. Investidores estrangeiros podem reavaliar a
atratividade do mercado brasileiro se não houver reciprocidade de crédito em
seus países de origem.
Próximos passos
legislativos: sanção presidencial e vigência
Com
a aprovação do PL 1.087/2025 pelo Senado, o projeto segue para a sanção
presidencial. O presidente da República tem 15 dias úteis para sancionar ou
vetar o projeto, total ou parcialmente. Se sancionado, ele se tornará lei e
será publicado no Diário Oficial da União. Vetos serão encaminhados ao
Congresso Nacional para apreciação.
É
importante destacar que, conforme o princípio da anterioridade tributária
anual, para que as novas regras de tributação entrem em vigor a partir de 1º de
janeiro de 2026, a lei deve ser sancionada e publicada até 31 de dezembro de
2025. Portanto, o cumprimento desse prazo é crucial para a implementação das
mudanças propostas.
Caminhos a seguir:
preparação e conformidade
Diante
desse cenário complexo, o PL 1.087/2025 inaugura uma nova era na tributação
brasileira. A aprovação da matéria pelo Senado, mantendo o texto-base para
cumprir o prazo da anterioridade anual, reflete a determinação do governo em
implementar a reforma, mesmo com a promessa de futuros aprimoramentos.
Para
empresas e pessoas físicas de alta renda, a preparação é fundamental. É
imperativo revisar as políticas de distribuição de lucros, reavaliar as
estruturas de remuneração de sócios e gestores e planejar a gestão de caixa com
base nas novas regras de retenção na fonte e cálculo do IRPFM.
Além
disso, recomenda-se que os sócios e acionistas deliberem, até 31 de dezembro de
2025, sobre a distribuição de dividendos relativos ao exercício de 2025, ainda
que de forma conservadora, para garantir o aproveitamento da regra de transição
e preservar a isenção tributária aplicável aos lucros apurados
Em
paralelo, ganha relevância a revisão do próprio desenho societário -
especialmente a relação entre sociedades operacionais e holdings, a política de
reservas e a alocação de determinados custos de gestão - na medida em que esses
arranjos passam a influenciar, ao longo do tempo, a forma como os efeitos
econômicos da nova tributação de dividendos serão percebidos.
A
complexidade da legislação e os riscos de contencioso exigem uma abordagem
proativa e o acompanhamento de profissionais jurídicos especializados. A busca
por assessoria qualificada será essencial para garantir a conformidade,
otimizar a carga tributária dentro dos limites legais e mitigar os riscos de
autuações e disputas com o fisco. O diálogo com os advogados tributaristas será
mais do que nunca um diferencial estratégico para navegar com segurança por
essa nova paisagem tributária.
Autores:
Luana Rosa - Sócia da prática de Fusões e Aquisições e Direito
Societário do escritório Nelson Wilians Advogados. Especialista em Direito
Empresarial pela FGV e Bacharel em Direito pela PUC-SP.
Alberto Carbonar
- Sócio da prática de
Direito Tributário, Relações Institucionais e Governamentais e Tribunais
Superiores do escritório Nelson Wilians Advogados. Especialista em Política
Tributária Comparada pela Harvard Kennedy School. Mestre em Direito Tributário
(LL.M. in Taxation) pela Georgetown University. MBA em Gestão de Negócios
Internacionais e Comércio Exterior pela FGV. Especialista em Direito Tributário
pelo IBET-DF. Idealizador e Fundador do GEPT - Grupo de Estudos sobre Política
Tributária.