Isaac Asimov segue
atual. Sim, segue atual, pois A Fundação começa com uma tese simples:
transições longas não são atravessadas com improviso, mas com método.
No campo tributário,
a convivência entre a Lei da Informática e a implementação do IVA Dual
(CBS/IBS) impõe exatamente esse tipo de racional: não basta "acompanhar a lei",
é preciso organizar processos, dados e evidências para sustentar direitos
creditórios e manter previsibilidade econômico-financeira, ou seja, estruturar
um verdadeiro "Plano Seldon" [1], preparando seus
núcleos de "Terminus" [2].
O setor de
tecnologia será especialmente pressionado porque opera, ao mesmo tempo, com
cadeias industriais (hardware, componentes, industrialização, importação),
serviços intensivos em intangíveis (SaaS, cloud, licenças), e modelos híbridos
que atravessam diferentes elos de tributação e documentação fiscal.
O primeiro elemento
técnico relevante é o cronograma. A reforma tributária do consumo,
regulamentada pela LC nº 214/2025, institui a CBS (federal) e o IBS
(subnacional) e prevê implementação escalonada até 2033. Em 2026, haverá
ano-teste, com alíquotas reduzidas (referencialmente CBS 0,9% e IBS 0,1%) e
mecanismos de neutralização por compensação com PIS/Cofins no mesmo período de
apuração, condicionados ao cumprimento de obrigações acessórias.
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O ponto
jurídico-operacional é direto: em 2026, o risco predominante não é aumento de
carga "por alíquota", mas falha de conformidade informacional, capaz de
comprometer creditamento, gerar inconsistências sistêmicas e produzir passivo
quando o modelo ganhar escala.
Em paralelo, a Lei
da Informática continua a operar com requisitos próprios: habilitação,
cumprimento do PPB, dispêndios mínimos em PD&I e governança documental
robusta.
Direito creditório
condicionado
A melhor forma de
descrever o benefício, em linguagem tecnicamente precisa, é tratá-lo como
direito creditório condicionado: o crédito financeiro é calculado em função de
parâmetros legais e regulatórios e depende de comprovação e conservação de
evidências.
Essa caracterização
é importante porque, sob uma ótica de risco, os eventos mais custosos para
empresas habilitadas não são "mudanças de alíquota", e sim glosas e
questionamentos por inconsistência entre projetos, despesas, contratos,
relatórios e a realidade operacional auditável.
A lógica de PD&I
exige um padrão probatório que, na transição para o IVA Dual, tende a se tornar
ainda mais relevante, porque todo o sistema caminhará para maior dependência de
dados e rastreabilidade.
Nessa mesma linha,
convém evitar uma narrativa imprecisa do tipo "o crédito compensa
IRPJ/CSLL/IPI/PIS/Cofins". Em transição, listas fechadas envelhecem rápido e
induzem erro interpretativo.
A formulação
tecnicamente mais segura é: o crédito financeiro se destina à compensação de
débitos próprios relativos a tributos e contribuições federais, de acordo com o
regramento aplicável (sistemática de compensação e padrões de compliance). A
vantagem dessa redação é preservar a validade do raciocínio mesmo quando
tributos do consumo forem substituídos e quando o mix de débitos federais
relevantes se alterar no horizonte 2026-2033.
Governança de
créditos
O ponto de contato
mais sensível entre os regimes está na governança de créditos. O IVA Dual não
opera como um "imposto único" na prática: CBS e IBS terão apurações segregadas,
controles próprios e lógica de conformidade específica, o que impõe uma
disciplina operacional que muitas empresas ainda não possuem.
A segregação não é
detalhe: impacta parametrização de ERP, cadastro fiscal, reconciliação de ponta
a ponta, e governança de saldos. É nesse ambiente que o setor de tecnologia
pode sofrer perdas econômicas silenciosas: não por pagar "mais imposto"
nominalmente, mas por não conseguir apropriar, manter e monetizar créditos com
previsibilidade, seja por inconsistência documental, seja por falha estrutural
de dados.
Parte do debate
público tem-se concentrado em alíquotas estimadas (muitas vezes na faixa de 28%
para a soma IBS/CBS). Para o setor, essa discussão é incompleta se não vier
acompanhada do que, juridicamente, é o núcleo do IVA: a não cumulatividade e
suas condições reais de funcionamento.
A não cumulatividade
proposta é mais ampla que os modelos tradicionais, mas não deve ser apresentada
como absoluta: há hipóteses de vedação ou limitação (especialmente em situações
desconectadas da atividade econômica tributada, como usos pessoais) e, sobretudo,
há condicionantes operacionais, como documento fiscal idôneo, integridade
cadastral, trilha de auditoria e regras de ajustes/estornos.
Custos em tecnologia
Em tecnologia, em
que custos típicos envolvem nuvem, licenças, ferramentas, serviços técnicos,
marketing digital e infraestrutura, a consequência prática é a necessidade de
classificação robusta e coerência entre contrato, execução, faturamento e
escrituração. A empresa que não tratar isso como projeto tende a transformar
"crédito esperado" em "crédito contestável".
Além disso,
comparações com o regime atual de serviços precisam ser tecnicamente corretas
para não induzir conclusões erradas. Não é adequado somar ISS e PIS/Cofins e,
ao final, afirmar uma carga equivalente apenas a um dos componentes.
O correto é
reconhecer que a carga atual varia conforme o município, o regime
(cumulativo/não cumulativo) e a estrutura de custos. No IVA, a carga efetiva
será determinada por um conjunto de fatores:
·
proporção
B2B/B2C,
·
capacidade
de repasse,
·
intensidade
de insumos creditáveis,
·
gestão
de saldos credores e tempo de recuperação, e
·
qualidade
da conformidade digital.
Ou seja: o problema
não é "a alíquota" isoladamente; é o modelo econômico de captura e uso de
crédito.
Nesse contexto, o
período 2026-2029 deve ser lido como janela crítica e de oportunidade. De um
lado, a Lei de TICs permanece operante e o planejamento de PD&I pode
maximizar valor econômico, desde que o desenho de projetos, contratos e
governança documental seja consistente e auditável.
De outro lado, 2026
inaugura um ciclo em que fiscalidade passa a exigir, em nível mais alto, uma
infraestrutura informacional adequada. O caminho tecnicamente adequado é
estruturar um programa integrado com três eixos:
eixo PD&I e Lei
de TICs (pipeline plurianual, comprovação e governança),
eixo de
monetização/compensação do crédito financeiro (previsibilidade de débitos
federais e estratégia de compensação), e
eixo IVA Dual
(segregação CBS/IBS, parametrização de sistemas, qualidade de DF-e,
reconciliação e controles).
Quando esses eixos
são tratados separadamente, o risco típico é que a empresa preserve "a teoria
do benefício", mas perca parte do resultado econômico por falhas de execução.
Método na transição
da Lei de TICs
Por fim, há um marco
incontornável: se o regime setorial de TICs mantiver seu horizonte atual sem
substituição equivalente, a partir de 2030 as empresas enfrentarão uma mudança
estrutural de competitividade.
Isso não significa,
automaticamente, inviabilidade; significa que a vantagem comparativa tende a
migrar do "incentivo setorial" para a "eficiência de operação" dentro de um IVA
plenamente implementado.
Assim, a pergunta
estratégica não é apenas se o incentivo existirá; é se a empresa chegará a 2030
com processos, sistemas e governança capazes de operar o IVA Dual com crédito
efetivo, sem perdas por inconsistência e com capacidade de defender seus saldos
e direitos.
Em síntese, a
transição entre Lei de TICs e reforma do consumo não é um evento pontual: é um
percurso regulatório que exige método.
Como em A
Fundação, o diferencial não está em adivinhar cada detalhe do futuro, mas em
construir a governança que permite atravessar a mudança sem colapsos de
evidência, de dados e de previsibilidade econômica. Para o setor de tecnologia,
isso significa tratar 2026 como um ano de teste não apenas do governo, mas da
própria empresa, e usar 2026-2029 como período de consolidação do que será, na
prática, a nova normalidade tributária do consumo no Brasil.
[1] O Plano
Seldon é o projeto histórico de Hari Seldon, no livro A Fundação, de Isaac
Asimov. Nele, o objetivo é reduzir os impactos da queda do império atual,
armazenando o conhecimento e o gerindo para o nascimento do segundo império.
[2] Terminus é
o planeta remoto escolhido para sediar a Primeira Fundação na série Fundação do
Asimov.
Autores:
Pedro Henrique Rodrigues Muniz Fernandes, é advogado
tributarista no escritório Lobo e Vaz Advogados Associados, pós-graduando em
Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e em
Direito Digital e Compliance pelo Instituto Damásio/Ibmec e membro da
Comissão de Direito Tributário da OAB/SC.
Bruno Eduardo Budal Lobo, é advogado, sócio-fundador do
escritório Lobo & Vaz Advogados Associados, mestre em Direito pela
Universidade Católica de Brasília (UCB), especialista em Direito Aduaneiro e
Comércio Exterior pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e professor na
Pós-graduação em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior pela Universidade do
Vale do Itajaí (Univali).