Mais do que simplificar o sistema, o novo modelo redefine a fronteira
entre renda e consumo no setor imobiliário
A reforma
tributária inaugura uma nova etapa de integração entre o fisco e o mercado
imobiliário brasileiro, com mudanças que alteram a forma de registrar, tributar
e fiscalizar propriedades em todo o país.
A
partir de 2026, começam a ter aplicabilidade, no que pode ser considerado um
"período de testes", o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB) e os novos
tributos sobre bens e serviços, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a
Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)[1]. E, já em
2027, todos eles passarão a ter aplicabilidade concreta e impactante no novo
regime tributário nacional (este, ainda em fase de transição, até 2033, com o
antigo regime).
Instituído pela Lei
Complementar n.º 214/2025 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB n.º
2.275 de 2025[2], o CIB tem por objetivo integrar os
diversos cadastros existentes - municipais, estaduais, federais e cartoriais -
em uma base única administrada pela Receita Federal, constituindo um
inventário nacional de bens imóveis urbanos e rurais integrado ao Sistema
Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter).
O
ato da Receita Federal detalha as obrigações dos serviços notariais e de
registro, que deverão compartilhar eletronicamente, via Sinter, os dados de cada
ato de lavratura ou registro, imediatamente após cada ato de lavratura ou
registro, em formato padronizado. Ademais, o sistema será atualizado anualmente
e admitirá impugnação em procedimento próprio, garantindo maior transparência e
segurança jurídica[3].
Registra-se
que o descumprimento dessas exigências pelos cartórios poderá ser informado ao Conselho
Nacional de Justiça e acarretar sanções pelos órgãos de fiscalização notarial
e registral, com garantia, contudo, do contraditório e ampla defesa[4].
Para viabilizar a
operacionalização, cada imóvel passará a contar com um código de identificação
único, o assim apelidado "CPF dos imóveis", que permitirá o rastreamento de
propriedades e transações imobiliárias em todo o território nacional[5].
Embora
concebido como instrumento técnico, o CIB terá função central na implementação
do novo modelo de tributação sobre o consumo, o IVA dual, composto pelo
IBS (estadual/municipal) e pela CBS (federal)[6].
Na
prática, será referência nacional para o controle das operações imobiliárias
sujeitas à incidência do IBS e da CBS, além de subsidiar a definição de valores
de referência dos imóveis e fortalecer os mecanismos de fiscalização e combate
à evasão fiscal.
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Quanto
ao valor de referência, cumpre destacar que a legislação determina que será
estimado conforme o valor do mercado, informações prestadas por administrações
tributárias e serviços notariais e registrais, bem como características do
imóvel, como localização, padrão construtivo e área edificada[7].
Assim,
o novo modelo exigirá adaptação de pessoas físicas e jurídicas a um ambiente
mais integrado e sujeito a controle cruzado de informações, em que a
conformidade passa a ser requisito central.
Isso
porque, ao cruzar as informações do CIB com dados de declarações de renda,
Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias (DIMOB) e registros
eletrônicos, a administração tributária poderá detectar inconsistências em
rendimentos de locação, alienações ou cessões de direitos.
Ainda
que a Receita Federal reitere que a reforma não cria novo imposto sobre o
setor, mas substitui tributos existentes[8],
as novas regras ampliam o campo de incidência do IBS e da CBS, as quais passam
a alcançar toda operação onerosa com bens e serviços, inclusive imóveis,
cessões e arrendamentos.
Com
isso, percebe-se que a norma promove uma aproximação da lógica empresarial, ao
incorporar operações antes tratadas como rendimentos eventuais ou patrimoniais
em uma estrutura tributária contínua, com obrigação de emissão de documento
fiscal e direito limitado ao aproveitamento de créditos.
Antes da Reforma
Tributária, a tributação das operações imobiliárias de pessoas físicas estava
essencialmente concentrada no Imposto de Renda[9].
As receitas provenientes da locação de imóveis eram tratadas como rendimentos
decorrentes da exploração do capital e tributadas na declaração do contribuinte[10], admitindo-se apenas algumas exclusões
específicas na apuração do rendimento bruto[11].
Já
a alienação onerosa sujeitava o proprietário ao imposto sobre o ganho de
capital na hipótese de valorização do bem[12],
ao passo que a transmissão da propriedade ao adquirente estava sujeita ao ITBI[13].
Esse
modelo, centrado na renda e na transmissão patrimonial, não impunha às pessoas
físicas a emissão de nota fiscal nem submetia locações ou vendas à incidência
de tributos sobre o consumo.
Com o novo modelo, essa fronteira se altera. Pessoas físicas que realizarem
locações, cessões onerosas ou arrendamentos envolvendo, cumulativamente, mais
de três imóveis distintos e receita anual superior a R$ 240 mil (valor que será
atualizado mensalmente pelo IPCA ou por índice que o substitua)[14] serão equiparadas a contribuintes empresariais,
passando a emitir documento fiscal, escriturar receitas e recolher IBS e CBS
regularmente[15].
No
caso das pessoas jurídicas, a substituição de PIS e Cofins pela
CBS não cumulativa altera de modo significativo a sistemática de tributação do
setor. O novo modelo, ao adotar o crédito financeiro integral e extinguir os
regimes cumulativos, amplia a base tributável e uniformiza a forma de apuração.
Para
assegurar previsibilidade aos contribuintes, estipulou-se um regime
transitório. Durante essa fase, determinadas incorporações e parcelamentos
iniciados antes de 2029 poderão optar por regimes específicos de recolhimento
da CBS com base na receita bruta, mantendo a carga efetiva aproximada dos regimes
anteriores de PIS/Cofins[16].
Para
projetos de incorporação e parcelamento de solo já iniciados, a Lei
Complementar n.º 214/2025 instituiu regimes especiais de transição válidos até
2029.
No
caso das incorporações submetidas a patrimônio de afetação e optantes pelo
Regime Especial de Tributação (RET) da Lei n.º 10.931/2004, o contribuinte
poderá recolher a CBS sobre a receita mensal recebida, à alíquota de 2,08% nas
incorporações comuns e 0,53% nos empreendimentos de interesse social, afastando
a incidência cumulativa de IBS e CBS[17]. Essa opção, porém, veda o
aproveitamento de créditos e o uso dos redutores de base de cálculo[18].
De
forma semelhante, operações de parcelamento do solo com registro protocolado
até o final de 2028 poderão recolher a CBS à alíquota de 3,65% sobre a receita
bruta recebida, em caráter definitivo e sem direito à compensação, também com a
mesma vedação de créditos e redutores, devendo o contribuinte manter
escrituração contábil segregada para cada empreendimento[19].
Já
nos contratos de locação, cessão onerosa ou arrendamento firmados antes da
publicação da lei, admite-se o recolhimento conjunto de IBS e CBS à alíquota de
3,65% sobre a receita bruta até o término do contrato ou, no caso das locações
residenciais, até 31 de dezembro de 2028, observada também a obrigação de
escrituração contábil segregada das operações[20].
Superadas
as regras transitórias, o regime permanente traz medidas de calibragem da carga
tributária, como a redução de 50% das alíquotas do IBS e da CBS nas operações
imobiliárias em geral, a redução de 70% aplicável às locações, cessões onerosas
e arrendamentos[21], e o redutor social - de R$ 100 mil
para imóveis residenciais novos, R$ 30 mil para lotes residenciais e R$ 600 nas
locações residenciais[22] - utilizável uma única
vez por unidade.
A legislação também
trata de locações residenciais de curta duração de até 90 dias, que passam a
ser tributadas segundo as regras aplicáveis aos serviços de hotelaria[23], alinhando o tratamento fiscal às novas formas de uso
e comercialização de imóveis.
Entre
as medidas estruturantes do regime, destaca-se também o redutor de ajuste,
destinado a suavizar o impacto da ampliação da base de incidência do IBS e da
CBS sobre o setor imobiliário.
A
partir de 2027, cada imóvel de contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e
da CBS terá vinculado um redutor de ajuste, espécie de crédito fiscal associado
ao bem, utilizado exclusivamente para reduzir a base de cálculo na alienação[24].
O
valor do redutor será definido conforme critérios previstos em lei, podendo
considerar o custo de aquisição ou valor de referência do imóvel, bem como
gastos e tributos relacionados à sua incorporação ou construção, sendo
corrigido monetariamente até o momento da venda e mantido nas operações entre
contribuintes do regime regular[25].
Na
prática, o mecanismo funciona como um desconto fiscal vinculado ao imóvel,
destinado a assegurar a neutralidade tributária e evitar a dupla incidência dos
tributos sobre bens que já tenham suportado IBS ou CBS em etapas anteriores de
incorporação ou construção[26].
Nota-se
que Reforma Tributária, ao integrar o CIB ao sistema de apuração do IBS e da
CBS, inaugura uma nova lógica de tributação do patrimônio imobiliário no país.
O que antes era tratado como fato isolado de renda ou transmissão patrimonial
passa a compor um ciclo fiscal contínuo, com rastreabilidade,
interoperabilidade e fiscalização digital.
Mais
do que simplificar o sistema, o novo modelo redefine a fronteira entre renda e
consumo no setor imobiliário, aproximando pessoas físicas habituais de
contribuintes empresariais e impondo padrões de transparência e conformidade
até então inéditos.
Diante dessa
transição, construtoras, incorporadoras e administradoras precisarão reavaliar
suas estruturas patrimoniais e contratuais, a fim de evitar sobreposição de
tributos e adequar a precificação de seus produtos e serviços.
A
reorganização preventiva, centrada no aproveitamento de créditos, na segregação
contábil por empreendimento e na revisão das sociedades patrimoniais, ganha
destaque como medida essencial de adaptação ao novo regime tributário e de
mitigação de riscos de autuação.
Por
fim, essa adaptação não se limita aos aspectos técnicos, mas envolve também
decisões estratégicas, exigindo de empresas e proprietários uma visão sistêmica
das novas obrigações trazidas pelo CIB e pelo IVA dual. O novo arranjo fiscal tende,
assim, a reposicionar o mercado imobiliário em um ambiente mais integrado,
previsível e alinhado às práticas internacionais de tributação sobre o valor
agregado.
[1] Emenda
Constitucional n.º 132/2023; Lei Complementar n.º 214/2025, arts. 1º e 4º.
[2] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 265, §§ 1º-2º e Instrução Normativa RFB n.º
2.275/2025, arts. 1º-4º.
[3] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 256 e Instrução Normativa RFB n.º 2.275/2025,
art. 3º.
[4] Instrução
Normativa RFB n.º 2.275/2025, arts. 6º-8º.
[5] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 59 e Instrução Normativa RFB n.º 2.275/2025,
art. 5º.
[6] Receita
Federal do Brasil, Nota Oficial "Criação do Cadastro Imobiliário Brasileiro vai
gerar segurança jurídica para os proprietários, adquirentes e vendedores",
publicada em 09/09/2025.
[7] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 256.
[8] Receita
Federal do Brasil, Nota
Oficial "Esclarecimentos sobre fake news e tributação do setor imobiliário",
10/09/2025.
[9] Lei n.º
7.713/1988, art. 3º, caput; Código Tributário Nacional (Lei n.º 5.172/1966),
art. 43, I.
[10] Decreto
n.º 9.580/2018 (RIR/2018), art. 41, I e § 2º; Lei n.º 7.713/1988, art. 3º, §
1º.
[11] Decreto
n.º 9.580/2018 (RIR/2018), art. 42, I a IV.
[12] Lei n.º
7.713/1988, art. 3º, § 2º e § 3º; Lei n.º 13.259/2016, art. 1º (alterando o
art. 21 da Lei n.º 8.981/1995); Decreto n.º 9.580/2018 (RIR/2018), arts. 117 a
139.
[13] CF/1988,
art. 156, II; CTN, arts. 35 a 42.
[14] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 251, § 5º.
[15] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 251, § 1º, I, a e b.
[16] Lei
Complementar n.º 214/2025, arts. 485 e 486.
[17] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 485, I, II e § 1º.
[18] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 485, § 2º.
[19] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 486, § 1º e 12.
[20] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 487.
[21] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 261, caput e parágrafo único.
[22] Lei
Complementar n.º 214/2025, arts. 259 e 260.
[23] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 253.
[24] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 257.
[25] Lei
Complementar n.º 214/2025, art. 258.
[26] Lei Complementar n.º 214/2025,
arts. 257 e 258.
Autores:
Ricardo soriano, Sócio em Figueiredo e Velloso Advogados
Natalia bessoni ramos neves, Advogada associada no escritório Figueiredo &
Velloso Advogados