A Emenda
Constitucional nº 132/2023 inaugura uma nova fase na tributação brasileira ao
instituir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e
Serviços (CBS), conformando um modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA)
dual. Essa estrutura busca simplificar o sistema tributário e promover a neutralidade
fiscal, mas introduz também desafios de ordem tecnológica, operacional e
jurídica.
No setor de saúde, a
complexidade é ainda mais acentuada. A alta densidade regulatória, a
multiplicidade de regimes especiais e o papel das entidades filantrópicas tornam
a implementação da reforma um processo de elevada sensibilidade. Nesse
contexto, a inteligência artificial (IA) emerge não apenas como ferramenta de
automação, mas como eixo estruturante da governança e, principalmente, do
planejamento tributário moderno. Não se implementa uma reforma tributária dessa
magnitude sem IA - ela será o diferencial entre a conformidade reativa e a
eficiência estratégica.
Desafio dos dados e
simulação de regimes
A promessa de
simplificação da reforma oculta um aumento significativo na complexidade dos
fluxos de informação. O modelo de não cumulatividade plena exigirá que as
instituições de saúde gerenciem, em tempo real, a totalidade dos créditos e
débitos associados a suas operações. Esse controle dependerá da integração de
bases fiscais, contábeis e financeiras.
O primeiro desafio
estratégico será a simulação de regimes. Instituições no Lucro Presumido,
acostumadas à simplicidade cumulativa, precisarão avaliar o impacto de uma
migração para a não cumulatividade. O mesmo vale para fornecedores do Simples
Nacional, que terão a faculdade de aderir ao regime do IVA para
permitir que seus clientes se apropriem de créditos.
Decisões como essa
não podem ser tomadas com base em estimativas. A IA permitirá classificar
automaticamente milhões de notas fiscais de entrada, identificar o potencial de
crédito em cada uma e simular, centavo a centavo, a carga tributária efetiva
nos novos moldes, transformando uma decisão estratégica complexa em uma análise
matemática precisa.
Planejamento tributário
inteligente como eixo estratégico
A transição para o
IBS/CBS não deve ser conduzida apenas sob a ótica do compliance fiscal,
mas como projeto estratégico institucional. Hospitais, clínicas, laboratórios e
demais stakeholders precisam implementar estruturas de planejamento tributário
com enfoque em avaliação de dados e modelagem de cenários.
Essas áreas atuarão
como verdadeiros centros de inteligência tributária, e sua primeira missão será
antecipar os impactos operacionais mais severos. O mecanismo de split
payment, por exemplo, ao reter o imposto no ato da transação, eliminará o "float" financeiro
(capital de giro) de que as instituições dispunham. Modelos preditivos de IA
serão essenciais para redesenhar o fluxo de caixa, prever tensões de liquidez e
otimizar a antecipação de recebíveis.
O segundo desafio
será o redesenho da cadeia de suprimentos. Pense em uma indústria farmacêutica
em Pernambuco, hoje beneficiária de incentivos fiscais de ICMS. Com o fim da
guerra fiscal, seu custo de produção, em tese, aumentará gradualmente. Essa
indústria, seguindo este exemplo, fornece para um hospital privado em São Paulo
(que exigirá crédito pleno) e para um hospital filantrópico em São Paulo (que,
em tese, não terá direito ao crédito). A IA será a ferramenta para modelar essa
nova precificação complexa, otimizando a logística e a carga tributária em
cenários distintos para cada cliente.
IA, neutralidade
fiscal e a defesa da filantropia
As entidades
beneficentes de assistência social, certificadas com Cebas, são um capítulo à
parte. A imunidade que lhes é conferida visa compensar sua função social e,
comprovadamente, é um investimento de alto retorno: para cada R$ 1 de
imunidade, o setor retorna R$ 9,79 à sociedade (Fonif, 2023).
Contudo, o cenário
regulatório tornou-se complexo. O arcabouço de certificação e contrapartidas
dessas entidades, recentemente revisado pela Lei Complementar nº 187/2021 não
foi totalmente acolhido pela LC nº 214. Ao privilegiar a modalidade Cebas-60
(focada no atendimento de 60% ao SUS), cria uma aparente distorção que pode
ameaçar o equilíbrio do próprio sistema. Essa diferenciação pode estimular uma
migração artificial de formatos de prestação de serviços, concentrando
vantagens fiscais em determinados formatos de atendimento e, em tese,
enfraquecendo o ecossistema filantrópico como um todo.
A IA pode atuar como
aliada na equalização desses efeitos, auxiliando as instituições a reavaliar
fornecedores de medicamentos e serviços médicos, ajustar contratos conforme
parâmetros tributários e modelar cenários de sustentabilidade. Além disso,
sistemas de IA podem funcionar como um robusto monitor de cumprimento de
obrigações, provando de forma automática e auditável o cumprimento das
contrapartidas sociais exigidas. Por fim, sistemas de IA podem apoiar a
mensuração do retorno social da imunidade, fornecendo métricas econômicas e
sociais que fundamentem o debate público e a formulação de políticas fiscais
mais equitativas.
IS e saúde pública
Uma oportunidade
adicional pode surgir com o Imposto Seletivo (IS). Dada a sua clara natureza
extrafiscal, destinada a desestimular o consumo de produtos nocivos à saúde,
sua arrecadação poderia auxiliar o setor. A inteligência
artificial poderia ser decisiva na gestão pública desses recursos,
utilizando modelos epidemiológicos preditivos para calcular o "ROI Social" de
cada investimento, sugerindo alocações que priorizem a prevenção de doenças
crônicas de forma mais eficiente.
Governança
tributária como projeto institucional
A reforma tributária
do consumo inaugura uma nova fronteira de governança fiscal. No setor de saúde,
a complexidade das regras torna indispensável a reestruturação dos modelos de
gestão tributária. Este não é um projeto de uma única área; é um projeto
institucional.
A criação de
estruturas permanentes de governança tributária inteligente deve ser
prioridade, integrando tax planning, compliance, controladoria e
análise de dados sob uma mesma visão estratégica. Neste novo cenário, os
profissionais que definirão o sucesso da transição serão os planejadores e
advogados tributaristas que souberem utilizar a Inteligência Artificial e
o data analytics como suas principais ferramentas.
Mais do que uma
mudança na forma de tributar, a reforma representa uma transformação na forma
de pensar a tributação: de um modelo reativo e burocrático para um sistema
preditivo, inteligente e alinhado à função social da saúde. O futuro da
tributação na saúde será tanto mais eficiente quanto mais for inteligente.
Referência
FÓRUM NACIONAL DAS
INSTITUIÇÕES FILANTRÓPICAS (FONIF). A Contrapartida do Setor Filantrópico
para o Brasil. 5. ed. São Paulo: FONIF, 2023.
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Autor: Rafael Goto Foja é advogado, especialista em
Direito Tributário pela PUC-SP.